sábado, 28 de setembro de 2013

Quantos pontos finais existem em uma reticência?




Histórias inacabadas são como reticências; melhor: reticências significam que aquela história ainda tem mais para ser lida (ou imaginada).
Inúmeras vezes vivemos reticências na vida. Histórias que são cortadas, canceladas, ou terminadas sem concessão de uma da partes. 
Quando alguém se fere, fica uma reticência. Ou quando alguém não entende ou quando se distancia também. 

Mas sempre há tempo para  colocarmos um ponto.
E o tempo... ahhhhh, como o tempo é danado! O tempo é um menino invisível travesso, que brinca conosco. Se diverte aprontando todas, mas sempre mostra a verdade, em algum tempo.

Vivi uma reticência por 16 anos.
Quando estava na faculdade, conheci um cara espetacular. Excelente no rollerblades e na matemática. O Daniel. 
Inteligente até não caber nele. Divertido, irônico (adoro ironia), com fala calma, carinhoso. Dedicado com a família e atencioso comigo: não tive como não me apaixonar. 
Namoramos um tempão. Frequentamos a casa um do outro, viajamos juntos, fui até madrinha da formatura dele. 
Não me lembro de fazer planos para a vida com ele. Nem mesmo dele falar se havia planos também.
Mas isso não importava. Era deliciosa sua companhia. 

Até que...
Um viagem para a Califórnia nos separou. Ele foi estudar, trabalhar por lá. E eu fiquei por aqui. 
Naquele tempo não tínhamos ainda acesso ao celular da forma que é hoje, nem à internet. Carta ainda era um meio de comunicar-se de forma menos dispendiosa, e telefone nos salvava, mas com muita moderação... os preços eram exorbitantes.
Vivemos nossas vidas separados, e o tempo foi separando cada vez mais.

Até que, em um repente, eu me apaixonei por outro homem, e... engravidei...

Me lembro do dia que falei para o Dani que estava grávida, por telefone. Me lembro que a resposta foi :    "-Você acabou de acabar com meu sonho."
Então começou minha reticência. 

Tentei inúmeras vezes contactar o Daniel. Mas ele era distante, não parecia querer contato. Tentei muito, muitas vezes em vão, até desistir.
Por DEZESSEIS anos eu imaginei o que poderia ter acontecido se tivesse vivido tudo que vivi com o Dani ao meu lado. 
Engravidei uma vez, me casei, separei. Depois casei de novo, e tive mais duas filhas. Minha vida foi boa, feliz. Com um bom marido. Mas confesso, ele sempre esteve lá, com a reticência de nossa história.

Até que... uma rede social nos une novamente: ele em Nova Iorque, eu em Paris. Ambos divorciados. Ele em férias e eu partindo para uma viagem para o Cairo, detalhe: a viagem dos meus sonhos!
E ele decidiu me encontrar nesta viagem.
Nos encontramos primeiro na Espanha, depois fomos para a Itália, depois para o Egito.
A viagem foi excelente.

Qualquer um diria agora: como um conto de fadas!
Pois é... mas não é.
Nossa reticência ganhou um ponto. Ponto final.
Não ficamos juntos aquela época, porque não ficaríamos mesmo. Sonhos são lindos, expectativas também, mas a vida é mais real do que gostaríamos e se faz presente de qualquer maneira.
A presença dele em minha vida é marcante sim. Sempre foi. Hoje sei que, da mesma forma, eu fui para ele. Mas é só.

Nossas realidades, verdades, vontades são muito diferentes. Nossos trilhos da vida levam a caminhos completamente diferentes. 
Todos que passam em nossos trilhos fazem diferença: alguns nos levam junto, outros, nos empurram para fora do trilho. Outros nos atropelam. Alguns nos dão carona.
Por algum tempo, nossos trilhos estavam alinhados, mas houve o momento de cada um andar por si.

O Dani é uma pessoa que eu lembrarei sempre, com muito carinho, com muito amor.
Nossa reticência deixou de ser. Ficou mais simples, virou um ponto só.
E nós fechamos uma história, com um final feliz: cheios de admiração.
Ao final das contas, finais felizes também terminam em reticências...


* texto revisado, corrigido e autorizado pelo próprio Daniel!




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