terça-feira, 17 de julho de 2018

A Doutora de nada sabia.

A Doutora de nada sabia.

Você chorava baixinho. 

Não era exatamente um choro, parecia um filhotinho gemendo, sem soluço, mas com aquele medo de quem acabou de sair de um abrigo e foi forçado a viver outro mundo desconhecido. Choramingava.
A médica pediatra, cheia de sensibilidade, apresentou você à mim:

“- Essa é sua mãe, você estava dentro da barriga dela. Agora ela vai cuidar de você aqui fora, e te proteger como quando você morava lá dentro”.
E encostou sua cabeça em meu rosto, e eu te senti quentinho e cheiroso. Conversei com você e você parou de choramingar... ali, me ouvindo, como quem reconhece a minha voz...

Mas a sensível médica, não sabia a quem ela apresentava.
Porque, se ela nos conhecesse hoje, possivelmente, mudaria a apresentação para: “- Léo, essa é sua mãe, você morava na barriga dela e daqui em diante, dela, você cuidará. 

Você a ensinará a amar, a amadurecer, a se fortalecer, e a ser uma melhor pessoa. 
Você será seu melhor amigo, seu confidente, seu conselheiro. 
Dela, você será abrigo em todos seus momentos de angústia. 
Você a guiará nos dias tortuosos, mas também vibrará com ela e por ela, quantas conquistas ela tiver.
Você a apoiará em decisões difíceis. 

Você apontará caminhos quando a cegueira da emoção a acometer.
Juntos, vocês passarão tardes incríveis, viagens incríveis e dividirão músicas, assim como amigos.
Vocês serão confidentes mas, mais do que isso, serão parceiros.
Vocês serão respaldo e apoio mútuo.
Assistirão filmes.  

Dividirão experiências como poucos mãe e filho conhecem.
Vocês irão filosofar e idealizar mundos que não poderão viver, mas entenderão que poderão exercê-lo no próprio lar.
Você aprenderão a ser melhores pessoas, pessoas leves e encontrarão diversão em todos momentos que passarem juntos.
Vocês serão a base de uma sólida família e terão um laço que se estenderá para a eternidade.”

A tal Doutora, com tamanha sensibilidade, não sabia nada de nós. 

Errou em colocar que eu cuidaria de você, sendo que quem cuida de mim, há exatos 20 anos, é você.
A Doutora poderia ter conhecido muitos partos, mas é possível que ela não saiba da grandeza do encontro que ela participou.
Ela participou do nascimento de uma união que está acima do laço maternal.
Ela esteve ao lado do encontro do homem que traria ainda mais vida para a minha vida. De quem agrega conhecimento à mim e aos demais qual convive. 

De um homem que tem a atenção de perceber alteração hormonal feminina e a sensibilidade de apontá-la sem rispidez.
De um homem sensível que descreve a lua como “é só um fiozinho, como um sorriso”, mas que é forte o suficiente para enfrentar os medos da mãe e das irmãs.
Ela presenciou a chegada e o início de um amor único, como ela deve achar que participa de outros. 

Mas não, Doutora, esse aqui foi muito mais...
Esse foi o encontro de almas antigas, que se enlaçam em muito mais que o sangue, mas em cumplicidade.


A Doutora te apresentou à mim. E você me recebeu.
E nestes vinte todos anos eu recebo a benção de ter um amor como o seu.

A Doutora de nada sabia. 

Ou já sabia de tudo e, como os grandes sábios que preveem o futuro, só deixou para o tempo me mostrar...


Em comemoração ao aniversário de Leonardo Lazari 

quarta-feira, 11 de julho de 2018

Felicidade levada a sério

Recebi um vídeo lindo de um amigo desses raros, conectado através de algo maior que a nossa irmandade conhece.
Nesse lindo vídeo, propaganda de uma malharia, uma história de um menino, estimulado por sua mãe em sua tenra infância, a viver a vida da forma certa. 
O vídeo chamou-me atenção, claro. Mas meus pensamentos foram para a atriz qual protagonizou a mãe do menino...

Eu a conheci  em mil novecentos e não sei quantas, lá pelos meus 16 anos, em um concurso de beleza.
Essa moça, hoje não mais tão moça,  ganhou o concurso e eu fiquei em segundo lugar.
Um dos jurados, dono de uma agência de modelos, me contatou pós resultado, oferecendo uma oferta de emprego e ressaltando: “- Você não ganhou porque não levou à sério. Estávamos em dúvida a quem dar o primeiro colocado, mas a sua postura não te ajudou. Você sorria demais, estava solta demais. Você precisa aprender a se conter, a mostrar seus ângulos, a fazer pose.”

Enquanto assisti ao vídeo, fiquei indagando se não poderia ser a mim lá no lugar da modelo/atriz. Afinal, a acompanhei de longe, e ela seguiu a carreira de modelo e atriz e assim trabalha desde sempre. 
Pensei que eu poderia ter sido menos solta ou mais contida e ter conquistado outros momentos ou pessoas.
Voei com meus pensamentos sobre todas as outras coisas, eventos e pessoas qual não me “classifiquei” por não levar “à sério”.
Lembrei do namorado que não tive porque sou extrovertida demais.
Lembrei do cargo que não permaneci porque não poderia cumprir normas quais não aceito.
Do relacionamento que partiu porque eu sou livre demais. 
E dos relacionamentos qual não participo porque são sérios demais, presos demais, chatos demais ou contidos demais. 
Lembrei de muitos outros eventos quais eu precisei ser contida, impedida, comedida. Lembrei de tantos momentos que fui avaliada, advertida. 
Relembrei as sensações que envolvem todos esses momentos onde o outro pede para eu que deixe de ser tão leve, ou tão sonhadora, ou tão alegre ou tão feliz. 
De tantas vezes que sou acometida pela frase “mas você não vê o lado ruim nunca?” Ou qualquer coisa que indague sobre minha escolha de tentar seguir essa linha de viver de forma simples e inadvertidamente feliz. 


E então, dei por mim, que nada disso poderia acontecer de qualquer forma comigo. 
Porque se eu tivesse repreendido, ou calculado ou qualquer outra atitude que impedisse de deixar o riso solto, a mente fresca e o coração livre, eu não teria sido eu mesma. 
Entendi que dentro de mim existe um universo inteiro incrível, único, feliz e do bem. E de bem com a vida.
Entendi que eu levo sério a vida sim. Mas da minha forma. Que não há desrespeito ou descompromisso em meu comportamento. Eles só não são entendidos por quem não os compreende por não serem assim também

Ao final do vídeo aparecem as frases
 “Viva com todo seu coração.”
“A vida é boa quando você é bom.”

E sei que eu não sou a atriz, mas exerço exatamente as palavras que a personagem ensina ao filho no citado vídeo. 
Afinal, sou atriz de outros espetáculos. 
E dei por mim que não fui eu que não tive à “eles”.

Na verdade, foram “eles” que não tiveram à mim.
Porque ser feliz é algo muito sério para mim.