terça-feira, 24 de maio de 2016

Reforma no bar


Ela escreveu a palavra amor
na massa cinza fresca
da obra quase finalizada
cheia de expectativa e decisão
(apenas o cimento, não concreto)

Ele leu 
e reafirmou com desenho
representado por linhas arredondadas
uma expressão voluntária
da insciência pueril
(construção íntima nada reformada)

Ele disse 
“não mais agora”
ela disse
“eu sinto muito”
e um abraço vazio se fez entre dois corpos
(alicerce móvel sem edifício)

Ela se foi,
e chorou.
Ele ficou,
e olhou pro espaço vago
lugar que ambos ocupam em momentos alternados
(massa corrida em tempo lento)

A reforma,
o sonho,
a propriedade,
a conquista,
ficam na edificação inacabada
(do construtor que destruiu)

Ele, ficou com o bar
ela, ficou com a obra.


BLP*




sábado, 21 de maio de 2016

What if?


Would anything have changed?

What if we have had more time?

What if I had prepared more breakfasts? And if I had been served more times by you?
What if we had walked hand in hand? Would we have been envied?
What if we had seen a sad movie together? Would we have cried?
What if we got scared together? Who would be comforted?

What if we had traveled?
What if we had walked on the beach?
What if we had spent a sleepless night, with only the sky as an accomplice? Would we have counted the stars? Or would we have just loved?

What if we had listened to some songs more times, would we have had our own?
What if we had danced to our song?
What if we had joined our paranoid and got crazy in the same madness?

What if we had shared more stories, would we have our own? 

What if we had laughed more?
What if we had been crying over?
What if we had been thrilled more?
What if we had looked through each other?


What if we had protected us less?

What if we had just tried?

Would we have had enough time?
What if time went back, would we do everything we should have done?


Correção e assessoria da Professora Glaucia Mendoza

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Eu parei de falar vem


O dia que eu parei de falar “vem”, eu fiquei só.
Não foi cansaço não. Muito menos preguiça. Foi esgotamento.
E esgotamento faz parte de uma lista infinita de sentimentos.

Desde então, veja só você, não me senti sozinha.
Me descobri.

Me reinventei, me refiz. Me achei no mundo.

Fiquei exigente. Comigo mesma. E partir daí, por quê não ficar exigente com o restante do mundo?
Dois não são um.
Dois são dois e se a matemática não for levada ao pé do número, dois têm a obrigação de serem muito mais que dois. Dois viram muitos. 
Não precisam ser iguais, podem ser diferentes. Mas têm a incumbência de aprenderem um com o outro, ser apoio, amparo, estabilidade, segurança, equilíbrio, serenidade e harmonia.
Muita exigência? Não, não é não.
Porque uma dupla, seja ela qual for, tem que ter a mesma doação, o mesmo querer e o mesmo sentimento.
Aprende-se em dois, erra-se em dois, conserta-se em dois.
Quando o lado pesa para um só, a balança modifica o peso e alguém pode sucumbir. Certeza que será aquele que dedica mais, aí já vira sacrifício. Uma relação não tem que ser penitência para ninguém.
Muito menos uma condição de uso temporário... E muitas pessoas ainda tem a selvageria da vida nômade, aquela qual acampa em um terreno por tempo determinado até o esgotamento da caça, do alimento ou do tesão.

Abnegar-se do que é vazio, do que é superficial, é exercício permanente.
E pode ser condição que imponha permanecer desacompanhado.
Porém, não existe companhia melhor de encontrar dentro de você tudo aquilo que se apaga, uma vez que foi entregue à pessoa errada.

Eu parei de falar “vem”. E passei a dizer “vou”.


quarta-feira, 11 de maio de 2016

Meus feios pés


Meus pés são feios.
Eu diria, no ápice da exigência, que são horrorosos. Mas na verdade, eles não são, não. Já vi pés muito mais feios que os meus, e bem dizendo a verdade, quem os deixou feios fui eu.
Ainda assim, hoje, não mais tenho vergonha dos meus pés. E olha que já tive muita: não andava de sandália aberta, tentei escondê-los. 

Fui bailarina por muitos anos. E para quem não conhece o Ballet, o que faz sustentar a dançarina sobre as pontas dos dedos, são as pontas em gesso de uma sapatilha. Agora imagine você, seus pés arcando com a responsabilidade do todo o seu peso, pelas pontas finais dos seus dedos, presos a uma touca de gesso.
Quando comecei a usar as tais sapatilhas de pontas, fui instruída a não usar ponteiras (mais uma vez para os leigos: ponteiras são proteções para cobrir os próprios dedos dos pés afim de diminuir a agressividade da abrasão com o gesso). Minha professora nos incentivou a apenas enfaixar cada dedo com esparadrapo e dá-lhe colocar os dedinhos para sofrer. A cada término de aula, era um esparadrapo arrancado, já com um pedaço do dedo junto, cheio de sangue. “Irá calejar e o dedo se acostuma", era a frase ouvida. O dedo caleja, de fato… mas nunca para de machucar, se você os força em exercício contínuo.

O ballet, em meu ponto de vista, é uma analogia da vida em tempo integral. 
A começar pelas horas de estudo. São muitas, e inúmeros movimentos repetitivos, para a tentativa de se chegar à perfeição… mas nem sempre é possível.
Existe disputa no ballet. Quem se dedica mais, se esforça mais, se sobressai… como qualquer outro movimento da vida laboral.
O trabalho em equipe é fundamental: é necessário ter coordenação, empatia e correção em um grupo inteiro para que um movimento seja sincronizado.
A confiança em um pas de deux (solo com um bailarino e uma bailarina) é imprescindível para que a dupla acerte seus movimentos. É importante sintonia, clareza, e apoio mútuo para que a dupla tenha êxito: exatamente como em uma relação a dois.
Um bailarino, quando está sobre o palco, executando movimentos leves e precisos, enquanto dança, faz uma força brutal em seus músculos, dedicou horas (muitas) para o espetáculo e tem um sorriso no semblante de quem domina toda a tensão do momento. Mas é bem provável que ele não seja compreendido em seu esforço integral por aquele que desconhece quanta dedicação existe naquela performance, e se, por desventura, errar algum passo, esse será motivo para um destaque do leigo que o assiste. Justamente o que apontarão aqueles que só criticam negativamente nossos atos falhos.

Insisto: o ballet clássico é uma imitação da vida. 
Treinamos, nos dedicamos, acertamos, erramos, enfaixamos e sangramos infinitas vezes. Mas sempre seremos julgados pelo conhecimento do outro, e não por nossa devoção.
Por mais que enfaixemos nossos dedos: repetir movimentos que abrasem nossa pele ou nossa alma, fará causar nova lesão… não há calejar que amortize desgaste novo.
Nossos calos são consequências da insistência de certos movimentos, em algum momento você deve decidir se não quer mais calos ou se não quer mais movimento: qualquer um dos dois fará você enrijecer.  
Independente de quantos calos você tiver nos pés, é importante ressaltar que eles te levam para os caminhos que você escolhe e seus pés obedecem ao seu coração ou à sua razão. É indispensável escolher um caminho.
Feios pés podem significar que você sente dor demais, os apertou demais, forçou demais, exigiu demais. Pés bonitos podem denotar que você empenhou-se de menos.

Meus pés são feios, eu confesso. E hoje, eu não mais os escondo. Eu sinto um orgulho danado deles. E sou grata: eles me levam, me sustentam, permitem que eu dance a dança da vida. E só se aquietam em lugares que meu coração serenar. 



sábado, 7 de maio de 2016

Na boleia


O hálito quente embaçava o vidro
que insistia em manter desenhado
com suposta fumaça mágica que sua boca emitia.

De nariz grudado no vidro,
soprava o ar quente 
e com a ponta do dedo indicador
desenhava formatos naquela pequena neblina que ela mesma fabricava.

Mas eram os poucos momentos 
quais o marasmo tomava conta
em viagem esperada o ano inteiro.

Em jornada com a boleia cheia,
sua paisagem eram cachoeiras,
estradas repletas de plantio.

Foram inúmeros crepúsculos 
e incontáveis amanheceres 
ao lado daqueles que amava.

Antes disso, muitos dias que arrastavam lentos
até, finalmente, entrar na boleia.
De seus olhos inocentes, 
mais sentia a distância de pai que viaja a trabalho,
do que o presenciava. 

Mas como não há mal que seja apenas mal,
o mesmo caminhão que os afastava
unia em cabine aquecida
a família distanciada pela estrada.

Estrada qual aliava
distância
família
memória 

e amor.

Em homenagem à minha leitora número 40.o00 Carla Maia