domingo, 29 de outubro de 2017

Mesmo em céu encoberto

Eu sei que ela está
a lua, do jeito dela,
eu sei que está lá.

Olhei para o céu
mas meus olhos míopes 
não a puderam fitar

Mesmo em céu encoberto
ou quando presente em outras terras
 - e outros olhos - 
é lá que ela estará.

Mas parece que à mim
só foi dado ao direito de a admirar
(ahhh, como a admiro!)
e ela sempre estará lá.

Queria eu ter a bravura 
- ou a coragem -
de nela pisar.

Mas apesar de tantas asas
minhas asas pequenas 
não alcançam a distância necessária
para nela aterrizar.

Te olho de longe, lua
com uma vontade gigante 
que a Terra pare de dar voltas, 

e eu possa apenas, a ti, fitar.


quarta-feira, 25 de outubro de 2017

O que ficou de você

Hoje eu precisei falar você.
Porque as palavras todas que não puderam ser faladas, estavam entaladas. Estavam impedindo que o ar entrasse e que o pulmão enchesse. E eu respirei raso nessas últimas horas mal dormidas.
Hoje eu falei você, mas não se preocupe. Falei para ouvidos idôneos, os melhores ouvidos que alguém pode ter. Você está protegido.
Desprotegida mesmo, só tenho eu nesta história, que voltei para uma base com cama fria, sem colo, sem abraço e sem recepção.
Desprotegida fiquei somente eu, nessa tolice de sentir demais a tudo, até mesmo ao que não foi sentido ou de sentir demais o que poderia ser… ainda de sentir muito porque é tudo penoso, no sentido de que seja uma lástima essa falta de sentido em tanto sentimento que poderia existir.
Me perdoe por ter falado você. Mas você estava preso em um não entendimento e para alguém como eu, não há nada pior do que não poder voar ou não entender. E essas rédeas precisam sair.
Me perdoe porque eu chorei você. E eu chorei descontroladamente, porque se tem uma coisa que em mim seja desobediente, são essas lágrimas que insistem em esvair após tamanha ponderação e tamanho esforço, de quem já conhece o caminho dessa história e  que essa passagem é só de ida, porque se algum dia houver uma volta, já não se é mais a pessoa que se foi.
Chorei você e esse tanto desconhecimento. 
Chorei ainda, uma inveja raivosa, também antes desconhecida, porque eu sei, você terá todas as leituras, todas as palavras, todos os sentimentos, todas as gavetas abertas, todos os arquivos revirados. Você sempre terá à mim. E eu, meia dúzia de palavras inteiras, onde, pode-se ter certeza, as visitarei repetidamente, como quem quer encontrar novas palavras em antigos escritos.
Nessas já releituras - confesso - encontrei outros tantos sentimentos, mas eles não estão na decodificação das letras, mas na emersão de novos sentidos, que a cada palavra, cada vírgula, surgem em mim. E trazem à tona uma repetição de pensamentos, dos nossos poucos momentos, em movimento psicótico, que tiram meu sono, meu sossego, e levam embora a rede da calmaria que balançava à mim.
Eu chorei a distância, eu chorei o cansaço, eu chorei o acaso, chorei uma história linda que não vai acontecer.
Chorei e falei tão pouco e ouvi desses ouvidos amigos: "Meu Deus! Ele é igual a você!"
Eu chorei esse acaso desastrado, mas chorei o alívio de saber que você existe e que eu posso encontrar você.
Chorei por esse trem maluco da vida, e por essa passagem estranha que eu sequer comprei.
E eu chorei por ter sido já tão transformada, e não ter aceitado fazer essa viagem e para assim, me perder de mim, mesmo podendo ganhar você.
Chorei porque nada pode, porque tudo continua; e citando você mesmo: "um dia a gente encapsula esse sentimento todo", até o dia que só o enxerga de longe e sorri. 
Chorei porque eu posso chorar por sentir tanto e por saber que poderei sentir nada.
Chorei porque você existe e existe um alívio em mim em o conhecer.
Chorei porque tenho uma parte bem boba - e bem viva - da qual me orgulho muito, que é justamente, saber sentir.  
E se chorar esse afeto todo trouxe qualquer coisa boa, foi poder derramar em mim o que ficou de você.



sábado, 14 de outubro de 2017

Esse amor moderno

Por favor, me deixe te amar
Não faça mais assim
esse jeito que empurra
que repele
que espanta.
Meu amor é tão grande…
e amor desse tamanho
faz sofrer se não for dividido
faz diminuir se não for sentido
faz arder se for reprimido.
Deixe-me aproximar
deixe-me te abraçar
deixe-me te proteger
deixe-me te ensinar.
Eu sei que - `as vezes - tudo é dolorido,
mas tudo que é contido
fica maior, mais latente
faz a gente impotente
faz barulho onde deveria haver sossego,
onde deveria haver abrigo.
Por favor, me permita transbordar
e te trazer comigo
deixe-te sentir infinito
eu te levo (prometo) 
e me levo contigo.
Mas preciso que você consinta 
preciso que você também sinta
Preciso do seu sorriso
do seu empenho
preciso que desperte 
preciso que me aqueça
preciso que  floresça.
Preciso que cresça grande
e não aos pedaços, como tantos outros…
isso me mataria aos poucos
como já têm matado
um veneno de ver ao meu lado
quem aceita esse tamanho.
Por favor, me ame grande
me mostre,
me convença
que você realmente compreende
que você quer
que você também sente.
E vamos voar infinito
um amor eterno e esquisito
que é esse amor
fraterno
moderno 

e aflito.

sábado, 7 de outubro de 2017

O abraço e seus herdeiros


Sou comissária de voo, isso alguns já sabem... Mas pode ser que não saibam que, durante muitos anos, fui casada com um também comissário de voo, meu parceiro por doze completos anos, pai biológico das minhas filhas e pai adotivo do meu mais velho.
Nosso casamento não era regado de carinho. Meu ex marido, apesar da idoneidade,  culturalmente não era um homem que se preocupava com demonstrações afetivas. Mas tínhamos lá nossos momentos, e claro, não vivíamos um relacionamento frio e distante.
Nosso trabalho em si  foi um facilitador neste aspecto, porque nossas escalas eram distintas e a separação nos trazia sempre um pouco de saudade. 
Com o passar dos anos, passamos a compor a equipe de voos internacionais, que nos afastava ainda mais em território e calendário.  Os voos internacionais são operados com aeronaves enormes, que têm capacidade para um grande número de passageiros, variando entre 230 a 380 almas em voos de 8 a 12 horas consecutivas, fechados em um charuto metálico, a voar pelos céus  do mundo.
Um dia, em um desses retornos saudosos,  um abraço fez- me entender de vez uma suspeita desagradável: chegávamos mau cheirosos. Claro, não há ser humano ou desodorantes (e higienes) suficientes que se mantenham por uma carga de trabalho superior a quinze horas. Mas a minha suspeita se concretizou com outro fator: são os odores todos, de todas as pessoas confinadas naquele charuto, qual fazem essa essência desagradável que impregna nossas vestes e corpos. Chegamos de um voo longo, cheirando aos hálitos, chulés e tudo o mais que compõe a degradação que nós, seres humanos, naturalmente sofremos. 
Pois bem, explicada até que delicadamente, uma parte nada agradável para qualquer pessoa que ocupar uma aeronave por longas horas viverá (aposto que você não havia reparado nisso, não?), para finalmente, chegar ao ponto dessa crônica.
Percebida essa desventura, parei de abraçar meu marido em sua chegada. E ele, à mim. Nos acostumamos com esse não ato, e não foi essa falta de abraço qual culminou a separação que aconteceu tempos depois dessa descoberta.
E o ato do não abraço se estendeu a todos meus familiares.
Porém, fui presenteada com uma filha tremendamente sagaz e sem melindres para questionar e entender fatos. 
Um dia, ela me perguntou: "- Mãe, por quê quando você chega do trabalho você não me abraça? Você me abraça o tempo todo, menos quando você chega de voo."
E eu, na racionalidade da situação, expliquei pela minha lógica pré definida, que meu abraço não era agradável pelos motivos todos já citados.
Ela afirmou: "- Eu gosto do cheiro que você chega"
E eu, indignada: "- Gosta? Como assim gosta, se eu chego fedida?"
E ela responde: "- Porque é o cheiro de que você voltou."
...
O meu cheiro de chegada, até então tinha um sentido: o trabalho terminado, o esforço produzido, a jornada findada. A partir desse dia, o cheiro passou a representar  o cheiro do retorno, cheiro da chegada, cheiro da melhor parte da vida.
Precisei de uma menina, na época com sete anos, para me explicar, com uma analogia sem racionalidade alguma, que aquele cheiro não tinha nada de mau cheiroso, e deveria ser regado de um abraço de quem, após dias, retorna para casa, para viver a parte mais importante da vida. 
Repensei quantos abraços foram desperdiçados, quantas expectativas para minha filha não atingidas, porque o meu fundamento adulto fazia  uma associação preconceituosa. Imaginei quantas vezes ela desejou ser abraçada e eu, a presenteei com uma chegada fria e racional. Pensei em quantas vezes eu fiz com ela, aquilo que me queixava da cultura do outro: de alguma frieza, de pouco toque, de carinho escasso.
Pensei que, como eu, outras tantas pessoas mudam seus jeitos, seja por achismos ou por certezas, transformando aqueles que nos rodeiam... E nós, vamos nos acostumando com a falta, com a ausência, com o desdém. 
Acostuma quem não oferece, e acostuma quem não recebe, e o mundo vai ficando mais frio, mais polido, mais politicamente correto, sem demonstrações , sem afeto de fato. 
Refleti em quantas ausências não foram recompensadas por um longo abraço só porque eu acreditava fazer o certo, sem sequer perceber qual era a espera da pequena (e dos demais). Pior: quantos abraços saudosos eu havia perdido, quais são, em minha opinião, abraços valiosos, cheios de uma substância que poucos laços contém... A verdade de um sentimento.
Ainda faço voos internacionais, e pelo acaso de horários, muitas vezes não consigo abraçar aos meus filhos em minha chegada, porque eles têm compromissos e nos desencontramos. Muitas vezes, sou eu quem sente a falta do abraço apertado. 
E espero, com toda minha verdade, que nenhum dia da vida dos meus, eles deixem de me abraçar porque pensem que seja a melhor decisão a fazer, por conveniência ou por constrangimento.
Porque abraços não podem ser desperdiçados. 
Abraços não podem ser adiados. 
Porque abraços não dados, são abraços perdidos. 
E sentimento passado altera o sentimento futuro. 
Cuidemos de nossos abraços e de seus herdeiros.