sábado, 26 de abril de 2014

Eu matei a Elis


Uma das vantagens de ter pouca memória é poder rir da mesma piada. E, já oscilando e comprovando a teoria que minha memória é péssima, eu acredito já ter escrito em algum texto meu sobre minha falta de memória. Pior, não posso nem usar a famosa frase "Se não me falha a memória", porque seria piada até de mau gosto agora.
Todo este contorno para ressaltar que não lembro mesmo das coisas. Poucas lembranças tenho, principalmente da minha infância. Para isso, conto com minha prima e minha irmã, que relembram ou contam casos em que eu participo.
E nesta pouca memória, uma cena ficou gravada com todos os pequenos detalhes:
Eu tinha seis anos. Morávamos na casa dos meus avós, pois minha casa passava por reforma grande. Estávamos em mais cinco na casa do Seu Delfim e da Dona Iaiá.
Minha mãe ajudava nas tarefas da casa, mas eu (claro) não lembro exatamente como era nossa organização lá. Deveria ser uma bagunça só, porque até hoje a casa não sofreu alterações e é pequena para as duas pessoas que a ocupam... imaginem em sete!
Enfim, eu estava na sala, assistindo televisão. E começou uma daquelas músicas que anunciam uma notícia importante: "Morre, aos 36 anos, a cantora Elis Regina".
Eu entrei em choque. Meu coração começou a pulsar na garganta. Eu tremia. Tudo porque sabia o quanto minha mãe era apaixonada pela Elis. E eu teria que contar a ela!
Hoje eu sei o tamanho real da casa. Porém, aos meus seis anos, foram muitos passos... Passei pela cozinha e pela área da lavanderia. Coração apertado, um certo pavor. Minha mãe estava sentada em três degraus que dão para o quintal. 
Passei ao lado, parei de frente à ela e dei a notícia.
Ela arregalou os olhos, colocou as duas mãos no rosto.
"-Você tem certeza, Mari?"
Eu fiz que sim com a cabeça.
Ela abaixou o tronco, colocou as mãos na cabeça. Ficou com o rosto entre os joelhos e começou a chorar. Chorava alto, soluçava. E eu ali, parada, diante da cena do choque da minha mãe.
Não sei quanto tempo essa cena durou. Para mim, foi uma eternidade. Os meus minutos infantis se arrastaram. E tudo que eu pude fazer depois disso, foi acariciar os cabelos da minha mãe, em ato desesperador de consolo.
Fim da lembrança.

Anos da minha vida dedicados a todas as artes possíveis: dança, teatro, canto. Em nenhum fui superstar, porém a todos me dediquei com muita paixão. 
Na parte do canto, a missão sempre foi uma: encantar minha mãe. Queria que ela visse em mim aquela voz que ela tanto amava.
Claro, também nunca cheguei perto da Elis. Nem uma raspinha.
Mas, há dois anos, pude, em uma festa de aniversário meu, cantar para ela. Só para ela.
Todos sentados ao meu redor, meu amigo Tarciso no violão. Depois de muitas canções sobre todas as coisas, eu pedi para que ela me ouvisse. "Essa é só para você, mãe". E à capela, cantei "Como nossos pais", canção de Belchior, marcada na história pela belíssima (e cheia de emoção) voz de Elis Regina.

Mais uma vez, eu vi minha mãe chorar. Mas, dessa vez, foi de emoção.
O abraço que eu ganhei depois, me redimiu da morte da Elis.
Posso ter feito a Elis morrer. Mas, cantei por ela, como minha mãe vive em mim.

terça-feira, 22 de abril de 2014

Da canção ao soneto

Resolvi fazer uma canção,
e não me importo se será clichê,
decidi cantar em versos
o que vejo em você.

Para quem sempre só cantou
escrever pode parecer errado
De tentativas pode ser que acerto
quem sabe, errando te tenho ao meu lado.

Se algum dia chutei pedras
se para baixo olhava enquanto caminhava
desviava olhar em rua deserta
na espera de quem à frente passava.

Seria miragem quem eu encontraria
seria tudo o que eu procurava?
Seria medo o que eu agora sentia?

A quem você procura nesta canção
não sei ao certo se sou o sujeito,
que em tamanho desastre virou soneto.


O que a gente espera


Ahhhh... O que a gente espera?

A gente espera encontrar alguém que valha a pena.
Alguém que faça este tempo todo sozinho ter sentido.
Alguém que vibre nosso coração, e dê uma boa chacoalhada na alma, a ponto de tirar todo resquício de sujeira que qualquer tristeza já deixou.
A gente espera encontrar nesse alguém vontade de dividir, e que essa divisão seja feita assim... Fácil, sem melindre, porque sim. Porque a gente também espera receber na própria divisão em si.
Receber em mesmo tanto o que se entrega. Receber agrado, elogio e alegria.
A gente espera que o sorriso seja aberto, largo, sincero. O nosso e o do outro, para nós.
Espera admiração.
A gente espera verdade, desde o assunto de menor importância. E que a verdade faça parte desde o primeiro momento.
A gente espera abraços confortáveis, daqueles em que o mundo para de girar em torno do sol e passa a girar no nosso entorno.
A gente espera atenção, carinho, cafuné.
Espera que tudo tenha lembrança, aconchego.
A gente espera motivos para suspirar fundo, sorrir sozinho, querer bem.
A gente espera encontrar uma outra metade, mas não que venha em um pedaço. A gente quer metade inteira, que esteja disposta a ser inteira nossa, e que seja inteira de verdade, e possa ser só o que é, porque o que for inteiramente de verdade basta.
A gente espera tudo isso, esperando poder ser somente o que já se é. Sem melindre. Sendo sincero. Sem tirar, nem por. Mas muito disposto a adicionar o que o outro tem para dar. E muito disposto a receber amor.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Tudo que eu mais odeio em você.


Odeio seu sorriso. Sorriso tímido, com a boca levemente puxada para a esquerda. A cabeça tombada de lado. Odeio quando você sorri para mim.
Detesto seu cheiro. O cheiro da sua pele, perfumada ou não. Mas aquele cheiro que inalava quando podia afundar minhas narinas em suas costas, ou quando beijava seu peito. O cheiro da sua nuca, aquele odor que eu sentia e que me fazia dormir.
Odeio sua pele. A textura dela, quão macia, quão fina. Odeio os seus pelos arrepiados, quando eu deslizava minha mão em você.
Odeio o seu braço, e o seu tronco avantajado.

Detesto seus abraços, e o calor do seu peito quente que eu me apoiava para dormir.
Odeio aquele seu olhar que atravessa meus pensamentos. Detesto quando me lê, me enxerga mais que eu mesma. Detesto o que seu olhar me diz, e quando desvia de mim, fazendo malabarismos com pensamentos e planos futuros.
Detesto a sua mão, e a força que ela me segurava, e a segurança que me trazia.
Detesto esse seu amor profundo. Que sinto à distancia. Detesto sua saudade.
Detesto sua ausência. Detesto seu medo. Detesto o que fez em mim.
Nunca havia amado alguém tão detestável.



Pensamentos e Inventos

quinta-feira, 17 de abril de 2014

A alforria de Olívia

Olívia, senta aqui.
Por favor, Olivia. Estou te pedindo alguns minutos só, depois você volta a fazer suas coisas.
Não, não vou demorar. Se você deixar eu começar a falar, eu termino rápido.
Calma, eu sei dos seus compromissos, por isso mesmo estou te pedindo para parar só por alguns minutos e eu te libero.
É sobre você ser livre mesmo que eu quero falar, Olivia. Estou te libertando agora.
A partir de hoje, sinta-se liberta destas correntes que você faz questão de arrastar. Estou te dando a sua carta de alforria.
Como não está entendendo? Espera. Fala baixo, Olívia. O prédio inteiro não tem que ouvir você.
A partir de agora, saiba que eu não sou mais seu marido. Eu já não sou seu marido faz tempo, mas, para mim, já deu todo esse teatro que nossa vida foi nestes últimos vinte e tantos anos.
Chega de fingir que a vida é linda e perfeita, Olívia. Ninguém está ligando se você é feliz ou não. As pessoas vivem as vidas delas e você não tem que mostrar nada pra ninguém.
Ei, espera aí, deixa eu terminar. Não estou te abandonando, nada! Fica quieta, Olívia! A empregada já colocou a cabeça ali na porta por causa dos seus gritos.
Você continuará tento todas as mordomias que meu dinheiro compra pra você, não se preocupe. Continua com empregada, carro importado.
Pode pegar sua metade, ela já está toda separada. Eu não tenho porque querer roubar você. Pode levar.
Para de gritar e me deixa falar. Faz anos que você não escuta o que eu tenho p dizer, pelo menos permita que eu fale agora.
Não, não tenho outra mulher, Olivia. E se eu tivesse, faria diferença? Você não acha até que você permitiu que eu tivesse? Porque você já não é mulher para mim faz tempo: me esgota em todas as possibilidades. Me impede de ser homem para você e para qualquer uma, enfatizando meus defeitos e me chamando de impotente. Eu não sou impotente, Olivia! Nem no meu pau e nem em nada que faço! É só você quem me limita e me impede de ter tesão pela vida.
E outra, como você poderia saber?
Faz anos que você nem me vê nu, não é?
E o que você pensa que eu sinto? Acha que eu estou feliz?
Você reclama de tudo que eu faço. Você reclama se eu estou junto. Reclama se estou ausente. Reclama do que eu não vejo. Reclama da mudança que eu percebi. Reclama das perguntas que faço. Reclama do meu silêncio. Reclama dos meus amigos. Reclama do meu trabalho.
Então, saiba Olivia: agora você não tem mais motivos para reclamar.
Como assim, e as crianças? Você se deu conta que você não tem mais crianças faz tempo? Cada um deles têm a sua vida. Deixe que eles vivam. Eles não precisam da gente junto. Eles já acharam seus pares.
Você está livre.

Livre para viver ou morrer do jeito que você quiser. Não precisa mais pôr tampões nos olhos ou ouvidos para não escutar a minha tv quando deitamos. Não precisa mais sentir o perfume que eu passei. Não precisa acordar com meu despertador. Não precisa fingir que me ama. Não precisa sorrir para mim na frente dos nossos amigos. Não precisa mais concordar só para ser conveniente. Não precisa de mais nada.
Só precisa ligar pro Dr Otávio quando essa sua crise histérica  passar. Eu já acertei tudo com ele. Ele vem até aqui para você assinar os papéis. Esta tudo certo, Olivia. Não precisa nem se mexer. Você fica aqui com sua casa, sua vida, seus empregados, seus carros, seus amigos flutuantes, seus compromissos vazios, seu descompromisso com a vida.
O contador te ajuda com as contas e você continua gastando e reclamando para quem você quiser agora, Olivia. Escolha outra pessoa para jogar seus lixos e sua vida vazia.
Para com essa cena. Levanta do chão. Que ataque cardíaco, que nada! Isso é chilique, Olivia. Respira fundo que passa.
Eu estou mudando de país. Volto pro dia do divórcio. E você faça o favor, por respeito a tudo que eu engoli de você, de estar lá no dia marcado.
Pode continuar chorando Olivia. Pode chorar, gritar e fazer o que você quiser.
Eu não tenho nada mais com isso.


De vez em Contos

domingo, 13 de abril de 2014

O Abraço


Como qualquer um em sua rotina, passo desapercebida pelas pessoas a caminho do meu trabalho. Imersos em nossos pensamentos, temos tendência de não prestar atenção à nossa volta.
Passando pelo aeroporto, como tantas outras vezes nestes últimos dezessete anos, me deparei com uma cena que já vi várias vezes.
Mas esta, me chamou atenção.
Duas mulheres abraçadas.
De estatura mediana, cabelos castanhos escuros. Ambas. Só consegui, pela idade dos cabelos, imaginar que uma era mais velha que a outra. 
Não dava para ver seus rostos, eles estavam mergulhados no pescoço uma da outra. Elas entrelaçavam os braços, os cabelos... o corpo todo. Pareciam uma só.
Não pude perceber se choravam. Mas eu penso que não. Se havia algum choro, ele estava contido, tamanha emoção exalava naquele momento.
Eu fui chegando perto, passei ao lado e me emocionei. Senti o que acontecia ali.
Continuei caminhando, muitos passos depois, arrisquei olhar para trás. Elas estavam imóveis ainda.
Segui meu caminho imaginando o que será que havia ali dentro... Seria uma despedida? Ou seria um reencontro?
Lembrei do Milton Nascimento, cantado por Maria Rita "a hora do encontro é também despedida..." e me dei conta do quanto participo de momentos especiais das pessoas.
Quantas e quantas vezes devo ter participado do coração palpitante em ansiedade por um reencontro, enquanto transportava uma pessoa para tal. E quantas outras vezes, já não fui quem arrastou para longe alguém que se foi chorando e deixei alguém também com saudade.
Quantas vezes já passei pelo portão de desembarque e visualizei rostos ansiosos, olhos atentos, pescoços procurando alguém que poderia estar logo atrás de mim?
E quanta saudade ajudei a carregar, quanta vontade foi junto também.
Mesmo as minhas... quantas lágrimas de saudade eu já voei pelo mundo afora. E quanta ânsia eu levei em mim esperando um encontro.
Aquele pedaço do mundo, chamado aeroporto, faz exatamente o que o Milton poetizou com uma plataforma de trem:
"... Tem gente que chega pra ficar
tem gente que vai pra nunca mais
tem gente que vem e quer voltar
tem gente que vai e quer ficar
tem gente que veio só olhar
tem gente a sorrir e a chorar..."

"E assim chegar e partir". 
Como todos os outros momentos em nossas vidas, perdemos com o tempo a emoção que sentimos. Ficamos com a sensação ou a lembrança, mas o sentimento mesmo, a alegria e a dor, se vão, com as nossas partidas e com as novas chegadas também.

Adoraria saber o que acontecia naquele abraço. Não sei, ao certo, o que era.
Mas qualquer um podia ver (e sentir) que ali, fosse o que fosse, havia muito amor.

Encontros e Despedidas - Milton Nascimento

sábado, 12 de abril de 2014

Moleskine vermelho

Ela sobe ao sótão com impressão de já fazer errado. Por insistência de uma amiga, ela acata a sugestão de andar com um moleskine para escrever suas idéias.
"Por que você não compra um moleskine?" Disse a amiga. "Você precisa de um para se inspirar."
Mal sabia a amiga o quanto esta palavra se tornava latejante. O quanto ela mesma evitava pensar neles. Tinha vários. Vários novos, e todos ganhados com o mesmo propósito: "para quando surgir uma inspiração, você escreva. E ainda lembre de mim", foram as palavras ouvidas.
Todos eles guardados em uma caixa junto com o restante da memória que se fazia presente, mas que ela luta insistentemente para esquecer.
Junto aos cadernos, outras lembranças, outros presentes. Papéis, fotos, cartas. Todos carinhosamente guardados em uma caixa comprada só para este fim: ocultar todas as lembranças que deveriam ser apagadas.
Caixa azul, com flores. Do tamanho exato para que aqueles pertences deixassem de estar ao alcance dos olhos, mesmo sendo latentes no coração. Guardados na ultima gaveta, da ultima prateleira, do sótão empoeirado... Assim como ela queria que se fizesse presente em seu coração.
A contragosto, pensava a cada passo que dava, que poderia ser aquela uma prova de que tudo foi embora. Que poderia, finalmente, recomeçar. Não se sentia pronta, mas sentia-se apta. Fator importante para todo início de nova jornada.
Já de cara, acender as luzes daquele ambiente esquecido, lhe fez clarear a memória de tantos outros momentos. E com palpitação descompassada, abriu a tal gaveta, retirou o caixa azul com flores e a abriu.
De dentro dela, saíram grandes mariposas negras imaginárias, cada qual carregando uma lembrança... Bateram asas pesadas, doloridas e esta revoada tomou conta de todo o ambiente.
Pegou o moleskine vermelho, do tamanho de sua bolsa. Fechou a caixa rápido, como que para evitar que outras mariposas escapassem.
Apagou a luz e Desceu as escadas com velocidade perigosa para tal fragilidade dos seus joelhos bambos.
Sentou-se na varanda, em sua cadeira de balanço. Escolheu ambiente arejado porque precisava de mais ar em seus pulmões.
Apoiou o caderno nas pernas.
Alisou sua capa. Ficou com medo de abrir.
Depois de alguns minutos ali, olhando para o nada, enquanto tudo aconteceu em flashes. Retalhos de momentos vividos tão lindos, e de tanta dor sofrida após um abandono sutil.
Com a velha caneta mordida, rasurou uma frase. A primeira que veio em sua cabeça. Desistiu e a riscou.
Ficou por mais algum tempo, ouvindo o ranger da palha da cadeira, barulho que, talvez, espantasse as tais mariposas que circulavam ali.
Após suspiro raso, começou a escrever lindas palavras, cheias de confiança e percebeu, de início: perdera a habilidade de escrever. Não pela criatividade, mas pelo hábito de escrever em si.
Lembrou que não escreve mais cartas.
Percebeu que não recebe mais cartas.
E escreveu algumas páginas recriminando mentalmente os garranchos que se tornaram sua letra.
Escreveu sobre a vida. Escreveu sobre conquista. Escreveu sobre solidão.
Detestou o fim daquele texto, arrependeu-se do tempo perdido, porque crê que não é possível perder tempo com mais nada, já foi o tempo para isso.
Cruzou estas páginas, com linhas transversais, significando que anulava o que havia escrito.
Fechou o moleskine e dirigiu- se ao computador.
Ali, digitando, teria outra velocidade, teria outras idéias. E teria o principal, vontade para sua vida: poderia apertar uma só tecla, apagar tudo e recomeçar.



De vez em Contos

quinta-feira, 10 de abril de 2014

A vida é feita para dividir.



Se a vida não é feita para dividir, então por que nascemos em muitos?

Acreditando que sim, a vida é feita para dividir, eis aqui um desabafo, mais um, entre outros tantos... alguns rasos, outros mais íntimos, mas talvez esse seja o maior em intensidade.

Há algum tempo venho lutando contra meus monstros. 
Eles eram gigantes. E já chegaram a me dominar. Em algum momento, precisei me apoiar em pílulas para poder seguir em frente.
Entre tantos altos e baixos que a vida me proporciona (sei que não é diferente para ninguém), consegui entre as minhas marolas e meus tsunamis (claro, foram alguns tsunamis) aprender que nada é fácil. Nada. E também, nada é sólido. Na vida, qualquer coisa pode mudar. Qualquer ou tudo. Todas as fases são status, ou seja... estamos e não somos.
Decidi ganhar de mim. E essa é uma batalha contínua, nada simples.
Minha primeira grande decisão foi não ser dependente de qualquer paliativo psicotrópico. Me dei alta deles.
E decidi encontrar felicidade, independente da forma que a vida se apresentar.
Como qualquer outra meta, as barrerias se formam à minha frente e eu, ora contorno, ora escalo. E perco o fôlego muitas, muitas vezes. A ponto de parecer que vou desfalecer.

Entre tantas perdas e ganhos, a dor sempre se fez presente, o tal Universo , na boa, parece que está de brincadeira comigo... tanta provação, que justo eu, quem acredita em retorno e nos tantos protetores, mentores e afins, me vejo algumas vezes, duvidando da garantia de que valerá a pena.

Sou, ao mesmo tempo, grata. Especialmente à três criaturas que saíram do meu ventre. Muitas vezes não consigo entender como estão sempre à postos para tamanho carinho e compreensão... justo comigo, que pego tão pesado em suas educações. Sou brava, gente. Coloco de castigo. Chego a "ficar de mal". Mas na hora que o meu calo aperta, lá estão eles: roubando forças de suas juventudes e me doando muito amor.

Por algumas vezes, chego a desacreditar que serei merecedora de ter alguém que consiga compreender tantas conexões malucas da minha cabeça: a necessidade de organizar, de estar à frente, de ser independente. São predicados que hoje, sinceramente, não sei se são bons. Afinal, quem já esteve ao meu lado, já desistiu de mim (sem drama), mesmo elogiando todo esse comportamento.
Talvez eu devesse ser mais feminina, mais dependente, menos impetuosa. Talvez seja alguma delicadeza que me falte... não sei. 

Mas entre tantos desenganos que já sofri, me vejo hoje superando obstáculos quais, naquela época dos tais remedinhos, eu não tinha nem coragem de abrir os olhos para.
Ficar sozinha não é fácil. Mas foi uma opção que fiz, para ver se encontro em meu caminho, o que eu acreditei existir. Mas esse Universo está, mais uma vez me botando à prova, e têm me feito olhar para a vida com outro olho... mais cético, mais aberto, com algum melindre. Assim, desse jeito, me sinto horrível. Como quem está incorporada em outro papel.

Não, não e não! Eu NÃO sou assim. E vou continuar lutando com todas as minhas forças, recebendo destas almas que me cercam, mais energia para acreditar. Eu hoje sei receber esse amor doado. Sei receber e entender o tamanho do desprendimento de alguém para fazê-lo. Não é fácil para ninguém, nem mesmo uma criança, ceder o que deveria ser inato, livre, inédito e sem melindres.

Para quem me viu sorrindo hoje: vocês não sabem o que acontecia dentro de mim. E eu, com toda a minha verdade digo: eu também não. Dentro de muita dor, nasce alguém que até eu não compreendo. Hoje eu sorri, falei besteiras, me diverti. Vi em mim quem se encontra plenamente feliz, mesmo sabendo do cantinho vazio latejante que se fazia presente.
Escrevi, na brincadeira, em rede social: "Da merda nascem flores. Afinal, merda é esterco." E muita gente me parou para elogiar a criatividade do meu anúncio.

Acontece, que não foi um simples anúncio. É um fato.
Só no nosso pior momento, a gente tem necessidade de remexer todo nosso conforto, perceber necessidades gritandes de mudança e, pasmem, força para fazer nascer flores.

Que nasçam flores dos nossos piores momentos e que a gente entenda, de uma vez por todas, que, se não estamos sozinhos no mundo, flores nascem para serem divididas entre nós.







terça-feira, 8 de abril de 2014

Lilian ao telefone

Ela atende o telefone.
-Alô, quem fala?
-Com quem você quer falar?
-Com a Lilian.
-Oi. É ela.
-Oi Lilian. Aqui é o João.
-João? João de onde?
-João, daqui de Rio Preto.
-(Mudez)
-Oooo Lilian, o João pô.
-Ai, João, desculpe, é sobre assunto comercial?
-Não! Eu te adicionei no facebook esses dias.
-Hummm. Qual seu sobrenome?
-João Martins.
-Hummm, sabe o que que acontece, João? Eu tenho usado meu perfil do facebook para divulgar meu trabalho, eu aceito todos os pedidos de amizade. Você chegou a ver meu trabalho?
-Vi, vi sim. Achei bem legal. Designer, né?
-É. É sim.
-Só prova pra mim que, além de bonita, você continua inteligente. E ainda é criativa.
-Desculpe João, você precisa de algum serviço meu?
-Não! Eu entrei em contato porque te procurava há muito tempo.
-Como assim, João?
- É...  Eu te procurei muito tempo. Você não estava no facebook antes, né?
-De onde a gente se conhece?
-Faz tempo, eu sou primo do Julio.
-(Mudez)
-O Julio Martins. Vocês estudaram juntos, eu acho.
-(Mudez)
-... Acho que foi no colegial.
-Ai, João, desculpe mesmo. Não lembro.
-Nós nos conhecemos num bar.
-(mudez)
-Estava você e a sua amiga, aquela morena alta.
-(Mudez)
-Nos vimos algumas vezes. Eu fui em uma peça de teatro que você apresentou.
-Hummm
-Você lembra?
-Nossa, João, fiz teatro há vinte anos. Você fazia teatro também?
-Não, não. Fui só assistir você.
-Hummm.
-Nós saímos algumas vezes.
-Ai, meu Deus.
-O quê?
-Não vai me dizer que eu dei pra você!?!?
-Naaaaaaooooo.
-Ufa.
-Você não lembra pra quem você deu?
-Isso é outra conversa, João.
-Mas você não lembra?
-Lembro, claro que lembro.
-Então porque o espanto?
-Porque se eu não lembrasse, você seria o primeiro que eu não lembraria.
-Não, você não deu. Mas a gente ficou.
-Meu Deeeeeeeuussss!
-Como assim? Meu Deus? Você não lembra mesmo de mim?
-Desculpe João, já faz tempo né?
-Faz, mas eu nunca esqueci você...
-(mudez)
-Eu mudei de cidade e...
-(mudez)
-... você sabe, a distancia...
-(mudez)
-... bem... A gente não tinha tanto recurso como hoje, né?
-(mudez)
-Eu acabei me afastando... E...
-(mudez)
-... a gente não se viu mais.
-João, me desculpe. Não lembro mesmo.
-Caramba...
-Poxa João, desculpe. Eu era muito nova...
-Era... Mas...
-Eu não lembro muita coisa daquela época.
-Bom... Tudo bem...
-Me desculpe.
-Okay. Tudo bem.
-Desculpe mesmo.
-Mas será que a gente pode se encontrar?
-Acho melhor não, João.
-Bom, tudo bem, então. Mas eu queria tanto...
-Desculpe. Melhor não. Passar bem, João.
E ela desliga.

Fica olhando para o telefone. Sorri.
Pega o fone novamente e tecla oito números.
-Má?
-Oi Li! tudo bem?
-Tudo. Má, você não vai acreditar quem me ligou agora... O João Martins!
-O João? Aquele que você foi enlouquecidamente  apaixonada? Que você chorava horrores?
-Esse.
-Jura? E aí?
-Fingi que não lembrei.



Novo projeto: "De vez em contos"

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Para muito mais de meia hora.



Queridos homens:

A mulher interessante não quer ninguém pra meia hora.
Caras pra meia hora, está cheio por aí.
Mulher inteligente quer um cara que a cada meia hora descubra uma novidade sua.
Que goste do melhor e do pior que ela tem.
Porque na mulher inteligente, mesmo o pior defeito, é regado de predicados interessantíssimos.

Se você fosse você, o escolhido pra ficar mais de meia hora, pensaria melhor na hora de ir embora. 
Aproveitaria mais o tempo ao lado da mulher que pouco homem consegue ter (e ver).
Poucos conseguem porque só se enxerga no outro aquilo que se tem dentro também.

Meia hora não basta, queridos homens. 
Pare e perceba se não é você quem tem validade pouca.
Pode ser que seja só você quem não tem predicados para mais de meia hora e invente qualquer motivo para não voltar.
Porque a mulher inteligente não vai te prender. Ela te solta.
Só pra ver se você é inteligente o suficiente para ficar.

E em menos de meia hora ela já sabe disso.

Se nesta mulher, você quiser mais que meia hora, entenda: você irá adicionar em sua vida muitas meias horas incríveis.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Vai embora

Não é difícil considerar se alguém vai embora mesmo depois de você abrir a casa, a história, até mesmo a intimidade. O que dói é o fato de ter aberto o coração e alma, e essa pessoa sair como se não tivesse nem entrado.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Adesivo de nicotina

A gente espera ser em alguém como um adesivo de nicotina é para um fumante ativo.
A gente aguarda que, para 'aquele alguém' a nossa companhia, sexo, assunto, carinho... bastem.
Que esta mesma pessoa, consiga ver (e ter) em nós, aquilo tudo que nós podemos ser de melhor (mesmo com nossos defeitos homéricos, tantas vezes exacerbados).
O que a gente acredita mesmo, é que, ao adesivarmos este alguém, sua necessidade de viver outros vícios desapareça, e que as sensações que liberamos neste, seja na potência e frequência ideal para que nós nos façamos necessários em suas vidas.
E veja bem, ninguém quer ser 'emplasto' (palavra feia até para pronunciar): não precisa ser grudado, nem colante, muito menos, adesivado à pele.
Basta, que nossa existência, faça o outro lembrar que não precise mais de 'cigarro' algum.