quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Ele estava lá.

Eu não me recordo quando o vi a primeira vez. Sequer, quando o conheci. E mesmo se tivesse a capacidade de recordar meus momentos infantis, duvido que me lembraria do nosso grande primeiro encontro.
Mas sei ele estava lá. 
E em alguns outros muitos momentos, não.
Me lembro também que, inúmeras vezes, quando ele estava presente, ele precisava do meu silêncio. E quantas vezes isso me chateou.
Ele não esteve em alguns momentos desejados por mim. Senti sua falta. Nas apresentações de ballet clássico, nas apresentações de escola, nas redações premiadas, nos estágios de dança concluídos. 
Me lembro quanta tristeza sentia, por sua ausência. E inveja daqueles que tinham os seus.

Demorei para entender algumas de suas atitudes. Precisei de anos de experiência própria para entender o que a vida faz com os adultos. Precisei sentir na pele o que acontece em um relacionamento, em um trabalho, com seus amigos, para olhar para ele com discernimento, com complacência e ainda mais amor.

Admiração, eu sempre tive.
Aprendi a admirá-lo enquanto ele humildemente me mostrava que devemos ter idoneidade independente do cargo que ocupamos. 
O admirava sabendo que tinha sido admitido como servente e com esforço, resiliência e auto didática, alcançou o cargo de gerente.
O admirava pela forma que voluntariamente acolhia aos amigos que precisavam de ajuda, sendo sutil, deixando o próprio ajudado confortável por tamanha discrição na abordagem. Mas ajudando de alguma forma, sempre.
O admirava quando quebrava seus próprios recordes e quanto era capaz de abraçar novas modalidades esportivas, mesmo já não sendo jovem.

O admirei em todas vezes que ele esteve lá… 
Nas tantas vezes que o meu calo apertou, e ele, sutilmente, desamarrou meus nós. 
Nas tantas bobagens adolescentes e inexperientes que vivi, e ele foi lá e consertou, organizou ou descomplicou.
Nos assuntos sérios que me envolvi e ele, sabiamente, apoiou.
Nas tantas vezes que desacreditei em mim, e ele, na torcida organizada escancarada, me levantou.

Hoje, quem precisa que se calem durante o dia, sou eu. A vida, essa trapalhona, fez-me comissária de voo, e tantas vezes preciso substituir uma noite não dormida por um dia de sono não restaurador. Todos esses dias me lembro dele.
Hoje, quem falta às festas, celebrações, reuniões e apresentações, sou eu. Minha escala é tão dificultosa quando os turnos dele eram, e agora entendo, que a dor da ausência é bilateral.
Hoje sei o quanto é preciso de malabarismo financeiro, que ele -  sempre discretamente -  driblou.
Hoje já entendi que no trabalho, nem sempre você será reconhecido.
Hoje eu entendo quanto de alegria própria é preciso para manter um sorriso sempre escancarado, mesmo com a alma rota.
Entendo quanto é preciso reconstruir-se depois de algumas decepções, e tantos desafios.
Entendo que a caridade deve ser feita porque sim, para qualquer um, sem estardalhaço, de mansinho.
Entendo que para se fazer presente, é preciso muito mais do que o corpo físico.

E que, independente de qualquer circunstância, é preciso ter uma base que te acolha com educação, carinho e muito amor.
E conquistar isso tudo, meu pai me ensinou. Porque ele estava lá.



* Homenagem à Eli Marcio Lazari, meu pai.

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Nao desista, meu amor.

Eu sei que tudo está esquisito agora, mas meu amor, não desista.


Sei dos monstros todos que conversam com você quando você está em silêncio. Sei o quanto você é provocada por essas vozes internas e pelas externas também.
Sei da mudança de visão do mundo. O quanto você entende as pessoas de forma diferente. Como tudo tem mudado e você percebe agora, o real comportamento das pessoas.
Sei do lugar que você ocupa que, por enquanto, parece ser nenhum: nem o infantil, nem o adulto. Mas fique tranquila, essa sensação vai passar.
Eu sei da estranheza do corpo que você habita. Sei que ele não te obedece, não ajuda com tanta mudança acontecendo.
Eu sei também que parece que eu não entendo. Mas, ao contrário, eu sei muito bem o que está acontecendo.
Sei que parece que eu não gosto de você, mas não é nada disso: é justamente, por te amar tanto, que fico no seu pé. É para tentar de proteger, para te educar. E pode ser que eu erre tentando.
Sei que parece que os amigos são mais especiais que sua família.
Que parece que as outras famílias são mais felizes.
Que os outros pais são mais legais.

Eu sei de tudo isso. Dessa confusão gigantesca. E da vontade que a gente tem de dar um salto no tempo, de repente abrir os olhos e ter mais idade.
Eu sei que tudo está esquisito agora. Mas por favor, meu amor, não desista de ser quem você é.

Não desista de ser aquela criança linda, de olhar sincero e cheia de carinho para dar.
Não desista de dar atenção, amor, cuidado, mesmo que não receba em troca esses itens imediatamente. Eles virão, quase sempre, de lugares e pessoas inesperadas.
Não desista de ser boa no que faz, mesmo fazendo o que não quer, porque o mundo está cheio de pessoas que fazem mais ou menos.
Não desista de ter um sonho e tenha sim, muitos e dos grandes. Mas saiba que eles, tanto quanto a maturidade, não acontecem em um impulso qualquer: precisam de empenho, precisam de crescimento e  paciência. 
Não desista de ser bondosa, mesmo quando alguém te machucar. Não desista de ser delicada: nos acostumamos com as grosserias de nossas palavras até o momento que não percebemos que as proferimos.
Não desista de ser linda por dentro - por fora, a natureza foi muito generosa já - Porque o tempo é implacável na forma de agir na casca.
Não desista de acreditar que existe uma força superior que nos rege. 
Não desista de ter um corpo saudável. Você mesma me ensinou a fórmula para vencer o invencível há algum tempo: não acreditando nele. 
Não desista de ser uma batalhadora, mesmo se algum dia alguém puder fazer tudo em seu lugar. 
Não desista de ser feliz, mesmo se qualquer coisa ou alguém quiser provar o contrário. Nenhuma tristeza é eterna.
Não desista de ser uma pessoa incrível. 
Não desista de ser sensacional. 
Não desista daquela pessoa que habita em você há catorze anos, porque com ela você terá que viver muitos mais. E acredite em mim, não há nada melhor que estar em paz com quem mora dentro de você. 
Não desista de me mim. Eu preciso do seu amor, desde o dia que soube que você iria chegar.
Não desista do meu colo, do meu carinho e todo amor que eu posso te dar.

Por favor, meu amor, não desista de me amar.




*Em homenagem à Julia Lazari

domingo, 7 de agosto de 2016

Por favor, seja claro


Me avise, por favor,
quando eu puder me despir.
Me instigue
investigue
e deixe claro até onde 
você pode ir.

Não faça promessas
ou declarações.
Não faça jogo 
- esses de suspense moderno -
para ter apenas 
o que é superficial.

Por favor, vasculhe.
Detalhe, desembrulhe,
encontre em mim
toda a beleza e falha
de quem é natural.

Não é por ser pudica,
essa eu não sou.
Mas deve-se ter consenso
e entendimento
na decisão de fazer - ou não - 
amor.

Por favor, seja claro

sobre sua intenção.
Assim eu decido
se tiro minha roupa apenas
ou se entrego
minha alma desnuda
à sua disposição.


segunda-feira, 1 de agosto de 2016

A minha moeda






Perdoe-me pela ignorância contábil
por ser tão passiva
e produzir tamanha despesa
na sua exagerada receita.

Por suposto, meu pouco capital
e minha moeda abstrata,
não tenham devida atrativa
na sua dinâmica financeira.

Possivelmente, esse qualitativo 
em muito romântico
seja pouco patrimônio
para quem busca quantitativo ativo.

Uma vez que meu pecúlio
não tenha padrão específico
dentro do que para você
seja um tradicional escambo.

Mas o meu acervo é livre de nota.
Não tem cédula, não tem série.
É puro sentimento,
e seu uso é livre de coerção.

Desculpe-me por ser assim tão pobre,
por tamanha escassez metálica 
por espólio tão modesto 
e pelo excesso de abstração.