quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Sina

É possível que o sino
tenha esse nome 
por causa do grito que dá
ao ver a hora passar

Pense  na sina do pobre menino 
Fica lá distante, no alto, 
longe do seu destino 
 (que deve ser) ter sido 
afastado de um amor 
para apenas badalar 

Ahhh... pobre sino
nessa sina de bater o destino
dos amantes que,
a partir do seu grito,
podem se encontrar 

Enquanto ele, grande e imponente 
pesa o peso de todo segundo carente 
e grita a cada hora, sua tristeza impotente 
do badalo do tempo daquele

que longe de seu amor precisa ficar


segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Enquanto você não vem

Enquanto você não vem
as palavras (des)ditas 
- malditas palavras -
acorrentam a soltura
da liberdade pretendida.

não há morte matada
ou morte morrida
é só uma passagem
em dosagem comedida
de veneno que impede viagem.

onde o que é sentimento
já não sabe o que é ser sentido 
 - e ter um - 
e quanto definha ou reafirma
aquilo que nem foi vivido

mas de bastante já foram as despedidas
e não há problema que existam novas escritas 
afinal, para quê as palavras conter
se você não vem 
me ler?

sábado, 4 de novembro de 2017

Seu Pote de Mel

Saímos do mercado, e quando entramos no carro (estávamos só eu e ela), ela começou a chorar.
Chorou copiosamente, até eu conseguir abordar o assunto.
Ela tinha uns dois aninhos, mas já se comunicava perfeitamente (aliás, como sempre, deixa bem claro o que quer e o que não entende).
No meio daquele choro todo e eu perguntando “O que foi, o que foi?” revirando o seu corpo em busca de algum sinal que mostrasse dor. Ela continuou chorando, até que pegou fôlego e disse: “- Hoje ninguém disse que eu sou bonita” e continuou a chorar.

Apesar de ter alguma graça esse situação, para uma mãe, não havia graça alguma, visto que eu entendia que para ela, já era importante ouvir dos outros essa opinião. 
Também deixava claro que para o ego daquele bebê já percebia que as pessoas expressavam suas opiniões e que sua vaidade era massageada. 
Ainda, mostrava o que mais me preocupava realmente: que a qualidade externa poderia se mostrar mais importante que a interna. 
A partir deste ocorrido, passei a apontar aquilo tudo que realmente importa, as qualidades e o comportamento, e preocupava-me em mostrar à ela que uma pessoa se faz bonita, não é pela casca que têm, mas pelos itens que a compõe.

Ela entendeu rápido. E com o passar do tempo aprimorou.

Hoje deixa de ser, oficialmente, uma criança. Legalmente, a partir dos doze anos, ela não faz mais parte do mundo infantil e entra na adolescência (Lei Federal 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente,  Art. 2º )
Mas se torna uma pessoa cada dia mais linda. E não é pelos belos olhos azuis, seus lindos cabelos loiros, pelas covinhas encantadoras quando sorri o seu mais sincero sorriso. 
É porque a Mel nasceu com a qualidade de ser sagaz, de aprender rápido. Aprendeu que alguns comportamentos doem, e que não os deve reproduzir, muito menos aceitá-los. Ela percebe rápido aquelas aproximações vagas, evasivas. 
Ainda, ela nasceu assim… sentindo muito, o que é uma das mais qualidades que tem. Nasceu sentindo, faz questão de e interroga a tudo aquilo ou aquele que incomoda sua paz e alegria internas. 
Com a Mel ainda tem algum chororô, fazer o quê? Quem sente é assim mesmo, precisa esvair, precisa esvaziar. 
E no seu pote (de Mel) hoje, não tem espaço para tristeza, nem para provocação. Seu pote é recheado de alegria, de música, de piada, de companheirismo, de ironia, de diversão. 
Seu pote é lindo por fora  (você mesma sabe disso Mel), o rótulo mostra um produto que dá vontade de ter.
Mas quem consegue chegar mais perto e abri-lo, pode se deliciar do mais puro Mel, daquele que enche a boca de sabores incríveis, que nos faz sorrir de alegria verdadeira por tanto sentimento e saber.

Hoje, comemora-se a chegada do mais puro Mel. 
A embalagem é surpreendente, 

mas o sabor é muito mais.

domingo, 29 de outubro de 2017

Mesmo em céu encoberto

Eu sei que ela está
a lua, do jeito dela,
eu sei que está lá.

Olhei para o céu
mas meus olhos míopes 
não a puderam fitar

Mesmo em céu encoberto
ou quando presente em outras terras
 - e outros olhos - 
é lá que ela estará.

Mas parece que à mim
só foi dado ao direito de a admirar
(ahhh, como a admiro!)
e ela sempre estará lá.

Queria eu ter a bravura 
- ou a coragem -
de nela pisar.

Mas apesar de tantas asas
minhas asas pequenas 
não alcançam a distância necessária
para nela aterrizar.

Te olho de longe, lua
com uma vontade gigante 
que a Terra pare de dar voltas, 

e eu possa apenas, a ti, fitar.


quarta-feira, 25 de outubro de 2017

O que ficou de você

Hoje eu precisei falar você.
Porque as palavras todas que não puderam ser faladas, estavam entaladas. Estavam impedindo que o ar entrasse e que o pulmão enchesse. E eu respirei raso nessas últimas horas mal dormidas.
Hoje eu falei você, mas não se preocupe. Falei para ouvidos idôneos, os melhores ouvidos que alguém pode ter. Você está protegido.
Desprotegida mesmo, só tenho eu nesta história, que voltei para uma base com cama fria, sem colo, sem abraço e sem recepção.
Desprotegida fiquei somente eu, nessa tolice de sentir demais a tudo, até mesmo ao que não foi sentido ou de sentir demais o que poderia ser… ainda de sentir muito porque é tudo penoso, no sentido de que seja uma lástima essa falta de sentido em tanto sentimento que poderia existir.
Me perdoe por ter falado você. Mas você estava preso em um não entendimento e para alguém como eu, não há nada pior do que não poder voar ou não entender. E essas rédeas precisam sair.
Me perdoe porque eu chorei você. E eu chorei descontroladamente, porque se tem uma coisa que em mim seja desobediente, são essas lágrimas que insistem em esvair após tamanha ponderação e tamanho esforço, de quem já conhece o caminho dessa história e  que essa passagem é só de ida, porque se algum dia houver uma volta, já não se é mais a pessoa que se foi.
Chorei você e esse tanto desconhecimento. 
Chorei ainda, uma inveja raivosa, também antes desconhecida, porque eu sei, você terá todas as leituras, todas as palavras, todos os sentimentos, todas as gavetas abertas, todos os arquivos revirados. Você sempre terá à mim. E eu, meia dúzia de palavras inteiras, onde, pode-se ter certeza, as visitarei repetidamente, como quem quer encontrar novas palavras em antigos escritos.
Nessas já releituras - confesso - encontrei outros tantos sentimentos, mas eles não estão na decodificação das letras, mas na emersão de novos sentidos, que a cada palavra, cada vírgula, surgem em mim. E trazem à tona uma repetição de pensamentos, dos nossos poucos momentos, em movimento psicótico, que tiram meu sono, meu sossego, e levam embora a rede da calmaria que balançava à mim.
Eu chorei a distância, eu chorei o cansaço, eu chorei o acaso, chorei uma história linda que não vai acontecer.
Chorei e falei tão pouco e ouvi desses ouvidos amigos: "Meu Deus! Ele é igual a você!"
Eu chorei esse acaso desastrado, mas chorei o alívio de saber que você existe e que eu posso encontrar você.
Chorei por esse trem maluco da vida, e por essa passagem estranha que eu sequer comprei.
E eu chorei por ter sido já tão transformada, e não ter aceitado fazer essa viagem e para assim, me perder de mim, mesmo podendo ganhar você.
Chorei porque nada pode, porque tudo continua; e citando você mesmo: "um dia a gente encapsula esse sentimento todo", até o dia que só o enxerga de longe e sorri. 
Chorei porque eu posso chorar por sentir tanto e por saber que poderei sentir nada.
Chorei porque você existe e existe um alívio em mim em o conhecer.
Chorei porque tenho uma parte bem boba - e bem viva - da qual me orgulho muito, que é justamente, saber sentir.  
E se chorar esse afeto todo trouxe qualquer coisa boa, foi poder derramar em mim o que ficou de você.



sábado, 14 de outubro de 2017

Esse amor moderno

Por favor, me deixe te amar
Não faça mais assim
esse jeito que empurra
que repele
que espanta.
Meu amor é tão grande…
e amor desse tamanho
faz sofrer se não for dividido
faz diminuir se não for sentido
faz arder se for reprimido.
Deixe-me aproximar
deixe-me te abraçar
deixe-me te proteger
deixe-me te ensinar.
Eu sei que - `as vezes - tudo é dolorido,
mas tudo que é contido
fica maior, mais latente
faz a gente impotente
faz barulho onde deveria haver sossego,
onde deveria haver abrigo.
Por favor, me permita transbordar
e te trazer comigo
deixe-te sentir infinito
eu te levo (prometo) 
e me levo contigo.
Mas preciso que você consinta 
preciso que você também sinta
Preciso do seu sorriso
do seu empenho
preciso que desperte 
preciso que me aqueça
preciso que  floresça.
Preciso que cresça grande
e não aos pedaços, como tantos outros…
isso me mataria aos poucos
como já têm matado
um veneno de ver ao meu lado
quem aceita esse tamanho.
Por favor, me ame grande
me mostre,
me convença
que você realmente compreende
que você quer
que você também sente.
E vamos voar infinito
um amor eterno e esquisito
que é esse amor
fraterno
moderno 

e aflito.

sábado, 7 de outubro de 2017

O abraço e seus herdeiros


Sou comissária de voo, isso alguns já sabem... Mas pode ser que não saibam que, durante muitos anos, fui casada com um também comissário de voo, meu parceiro por doze completos anos, pai biológico das minhas filhas e pai adotivo do meu mais velho.
Nosso casamento não era regado de carinho. Meu ex marido, apesar da idoneidade,  culturalmente não era um homem que se preocupava com demonstrações afetivas. Mas tínhamos lá nossos momentos, e claro, não vivíamos um relacionamento frio e distante.
Nosso trabalho em si  foi um facilitador neste aspecto, porque nossas escalas eram distintas e a separação nos trazia sempre um pouco de saudade. 
Com o passar dos anos, passamos a compor a equipe de voos internacionais, que nos afastava ainda mais em território e calendário.  Os voos internacionais são operados com aeronaves enormes, que têm capacidade para um grande número de passageiros, variando entre 230 a 380 almas em voos de 8 a 12 horas consecutivas, fechados em um charuto metálico, a voar pelos céus  do mundo.
Um dia, em um desses retornos saudosos,  um abraço fez- me entender de vez uma suspeita desagradável: chegávamos mau cheirosos. Claro, não há ser humano ou desodorantes (e higienes) suficientes que se mantenham por uma carga de trabalho superior a quinze horas. Mas a minha suspeita se concretizou com outro fator: são os odores todos, de todas as pessoas confinadas naquele charuto, qual fazem essa essência desagradável que impregna nossas vestes e corpos. Chegamos de um voo longo, cheirando aos hálitos, chulés e tudo o mais que compõe a degradação que nós, seres humanos, naturalmente sofremos. 
Pois bem, explicada até que delicadamente, uma parte nada agradável para qualquer pessoa que ocupar uma aeronave por longas horas viverá (aposto que você não havia reparado nisso, não?), para finalmente, chegar ao ponto dessa crônica.
Percebida essa desventura, parei de abraçar meu marido em sua chegada. E ele, à mim. Nos acostumamos com esse não ato, e não foi essa falta de abraço qual culminou a separação que aconteceu tempos depois dessa descoberta.
E o ato do não abraço se estendeu a todos meus familiares.
Porém, fui presenteada com uma filha tremendamente sagaz e sem melindres para questionar e entender fatos. 
Um dia, ela me perguntou: "- Mãe, por quê quando você chega do trabalho você não me abraça? Você me abraça o tempo todo, menos quando você chega de voo."
E eu, na racionalidade da situação, expliquei pela minha lógica pré definida, que meu abraço não era agradável pelos motivos todos já citados.
Ela afirmou: "- Eu gosto do cheiro que você chega"
E eu, indignada: "- Gosta? Como assim gosta, se eu chego fedida?"
E ela responde: "- Porque é o cheiro de que você voltou."
...
O meu cheiro de chegada, até então tinha um sentido: o trabalho terminado, o esforço produzido, a jornada findada. A partir desse dia, o cheiro passou a representar  o cheiro do retorno, cheiro da chegada, cheiro da melhor parte da vida.
Precisei de uma menina, na época com sete anos, para me explicar, com uma analogia sem racionalidade alguma, que aquele cheiro não tinha nada de mau cheiroso, e deveria ser regado de um abraço de quem, após dias, retorna para casa, para viver a parte mais importante da vida. 
Repensei quantos abraços foram desperdiçados, quantas expectativas para minha filha não atingidas, porque o meu fundamento adulto fazia  uma associação preconceituosa. Imaginei quantas vezes ela desejou ser abraçada e eu, a presenteei com uma chegada fria e racional. Pensei em quantas vezes eu fiz com ela, aquilo que me queixava da cultura do outro: de alguma frieza, de pouco toque, de carinho escasso.
Pensei que, como eu, outras tantas pessoas mudam seus jeitos, seja por achismos ou por certezas, transformando aqueles que nos rodeiam... E nós, vamos nos acostumando com a falta, com a ausência, com o desdém. 
Acostuma quem não oferece, e acostuma quem não recebe, e o mundo vai ficando mais frio, mais polido, mais politicamente correto, sem demonstrações , sem afeto de fato. 
Refleti em quantas ausências não foram recompensadas por um longo abraço só porque eu acreditava fazer o certo, sem sequer perceber qual era a espera da pequena (e dos demais). Pior: quantos abraços saudosos eu havia perdido, quais são, em minha opinião, abraços valiosos, cheios de uma substância que poucos laços contém... A verdade de um sentimento.
Ainda faço voos internacionais, e pelo acaso de horários, muitas vezes não consigo abraçar aos meus filhos em minha chegada, porque eles têm compromissos e nos desencontramos. Muitas vezes, sou eu quem sente a falta do abraço apertado. 
E espero, com toda minha verdade, que nenhum dia da vida dos meus, eles deixem de me abraçar porque pensem que seja a melhor decisão a fazer, por conveniência ou por constrangimento.
Porque abraços não podem ser desperdiçados. 
Abraços não podem ser adiados. 
Porque abraços não dados, são abraços perdidos. 
E sentimento passado altera o sentimento futuro. 
Cuidemos de nossos abraços e de seus herdeiros. 



sábado, 16 de setembro de 2017

No caixa

Sim, eu te vi
mas tive que fingir que não.
Afinal, essa nossa curta história 
foi recheada de fingimento 
mas todos com o consentimento 
da tola que sou.

Mas a parte boa
desse ocasional encontro
foi o seu comportamento
que enfatiza a decisão 
em te dizer não
por nenhum engajamento

Confesso ter ficado curiosa
sobre os  seus pensamentos 
em encontro inesperado,
porque nos meus somente havia
a percepção da mudez 
e do silêncio 
qual convívio tão estável
fazem moradia.

E de súbito momento,
não houve culpa ou arrependimento.
Afinal,  não há pecado
encontrar sem anúncio  
ou compromisso prévio 
no caixa do mercado.


sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Ferrari

Passou creme diurno
sérum
ativador
protetor fator 60.
Passou base
pó compacto
blush
iluminador
sombra degradê
delineador 
rímel
batom.
Vestiu a meia de compressão.
Pôs a saia justa
a camisa decote V
sobre o sutiã de bojo.
Vestiu o salto
solado vermelho.
Vestiu o casaco
forro xadrez.
Pegou a bolsa
desenhada de couro.
Entrou no carro
cambio automático
deu partida no botão
Acelerou de o a 100
em 3,14 segundos.
E esqueceu de levar 
aquela pessoa
que um dia 

já foi.

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Quadros acrônicos

Me perdoe esse jeito meu
não tem propósito 
é só um depósito 
daquele que tanto sofreu

Tem medo, dor, cicatriz
de quem por um tanto
um  triz 
por engano de amor, padeceu

Perdoe-me esse tanto recalque
eu também acho feio, acredite
mas há o que justifique
esse tamanho desfalque

Mas quem sabe com alguma paciência
e com um tanto novo de carinho
você entre devagarzinho

E eu tenha uma nova experiência
e esqueça passado sofrido
e transforme o acrônico em colorido 

Desejo de quem pinta palavras 
em quadros esquecidos 
em um passado 

que há tanto morreu.

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Agora adormeceu



Não é mais sentimento
porque agora, adormeceu.
Então não há mais sentido
e se sinto, apenas minto
contrariando meu instinto
relembrando o que aconteceu

Algumas vezes sorrio 
expressão aquela
de quem nega tolice,
em uma infantil meiguice
de se auto proteger

Enquanto a razão ataca
e lateja o “eu disse”
e os dias, e as horas
e as dores adormecem 
(na mesmice)
de todo amanhecer.

Não é mais sentimento
porque o sentimento sente
e agora não há mais sentido
se tudo o que foi vivido
foi apenas mentido
e foi só um parecer.

Porque se aquilo tivesse existido
a distância não se faria presente
a ausência não seria frequente
mas tudo isso é opinião de quem mente

apenas para não esquecer.

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

No lugar da princesa

Hoje você faz quinze anos.
E eu, por uma tradição social, deveria fazer uma festa de debutante para você.
Deveria haver um baile, onde você entraria primeiramente vestida como uma menina, quase uma princesa. E então, no meio desse evento, você trocaria de roupa, colocaria uma roupa mais madura e a sociedade celebraria sua entrada na vida adulta. Eu te apresentaria como uma mulher.
Pois bem, nada disso acontecerá.  Não haverá baile, nem vestido, nem príncipe como tantas pessoas fazem: um cara famoso que vem dançar a valsa principal com você. Não teremos os amigos e parentes ao redor em um salão pomposo imitando um castelo. Não gastaremos aquela pequena fortuna que uma festa nesta ostentação requer.
Aliás, não haverá sequer aquela famosa viagem que os filhos ganham na independência dos quinze anos.
Eu sinto  muito, minha filha, por não poder celebrar assim.
Sinto muito não haver a tal viagem, sinto muito por não poder arcar com as despesas dela.
Sinto muito não poder fazer a tal festa, por não podermos reunir aquelas muitas pessoas. 
Mas, ao mesmo tempo, posso te dizer, minha querida filha, que nada desta festa seria real. Não somente pela falta de realeza em si, mas principalmente para dizer: minha filha, se eu te apresento agora socialmente como uma adulta, você precisa saber, aquela princesa do baile não existe. Bom, não ao menos, na classe social da qual fazemos parte.
Preciso que você saiba que você terá que batalhar. E batalhar muito, porque crescer tem disso: não é fácil. E sem ser sexista, mas sendo mulher e realista, devo acrescentar: não é nada fácil ser mulher.
Sei que você já sente o peso dos hormônios e das mudanças e desconfortos que eles causam. A notícia não é boa: isso não vai mudar.
Como mulher, preciso acrescentar que você sentirá tudo e sentirá muito, como já é, e quase nunca será alguém quem fará sua dor curar. Muitas vezes você precisará ser seu próprio remédio. Meu conselho é: ser remédio para os outros faz curar a nossa própria dor. Como mulher, você faz moradia para alguns anjos e alguns demônios. Todos nós temos. Porém, preciso que saiba que somente você os ouve e somente você deverá escolher a quem ouvir. Meu conselho? Ouça aquele que faz você dormir em paz.
Como mulher, você enfrentará alguns preconceitos, nem todo o mundo evoluiu ainda em relação ao machismo. Mas a boa notícia é que isso tem mudado e você pode fazer parte dessa mudança.
Como mulher, você terá a capacidade de fazer muitas atividades ao mesmo tempo. Meu conselho: nunca aceite mais coisas do que você pode fazer. Você não precisa ficar doente tentando agradar.
Como adulta, suas responsabilidades crescem, a tolerância do mundo para com você diminui. Meu conselho: seja ética. Uma pessoa ética pode errar, mas tentou ser o melhor que pôde.
Como adulta, você errará. Faz parte e é imprescindível que você os perceba e os assuma. Meu conselho: erre, mas não omita.
Como adulta, você perceberá cada vez mais as mentiras, os interesses e as dificuldades de viver em sociedade. Meu conselho: não faça para os outros o que você não deseja para você.
Como mulher, você poderá ser bulinada, flertada, assediada. Meu conselho: não permita nunca que alguém te machuque. Qualquer dor é advertência para o que não te faz bem.
Como adulta e mulher, você sentirá muitas dores. Sentirá profundamente, porque nós mulheres nascemos com uma capacidade extra de sentir empatia e sentir mais. Meu conselho: descubra o que faz você sorrir e use-o(s) para diminuir o que seja que você sentir de dissabor.
Como adulta você sentirá alguns dissabores. Como mulher, você os sentirá em maior potência. Meu conselho? Perceba que as dificuldades não moram só em você. Olhar para fora é exercício que exclui a auto piedade.
Como adulta você precisará aprender a distinguir que o não, muitas vezes, é mais libertador que aceitar a tudo. Meu conselho: importe-se mais com os seus sentimentos do que com os daqueles que não convivem perto de ti.
Como adulta você verá que nem todos seus amigos são leais e que nem tudo que é dito é verdadeiro. Você entenderá que algumas verdades têm data de validade. Meu conselho: quem não te fizer bem não precisa ficar em seu círculo íntimo. É melhor estar perto de uma só pessoa leal do que próxima de dez que te sabotam.
Como mulher você terá seu instinto aguçado. Meu conselho? Siga-o. Ele sempre, sempre estará certo, mesmo que não pareça a princípio.
Como adulta você perceberá que alguns planos não dão tão certo, principalmente aqueles que dependem de outras pessoas. Meu conselho: diminua a expectativa sobre os outros e aumente a sua coragem e determinação. 
Como adulta e mulher, minha filha, você viverá. Dentro de todas as obrigações e deveres, mas também dentro de todas as boas surpresas que a vida têm em si.  Não desista da pessoa que habita em você. Invista nessa mulher que nasce todos os dias. Renasça quantas vezes precisar. Faça todo o esforço que precisar para viver em paz e feliz.
Como mulher adulta, você verá que aquele sonho de princesa, em ter um castelo e príncipe e viagens, só se realizará com muito esforço, muita determinação e algum cansaço. Meu conselho: faça o que te faz feliz, custe o que custar, desde que você não passe por cima de ninguém.
Me perdoe por não fazer uma festa de princesa para você. Mas meu conselho final é, justamente, uma combinação de todos os outros conselhos: não queira ser uma princesa. Seja uma guerreira. 
A boa notícia disso tudo? Você já tem a guerreira dentro de si. É só alimentá-la e cuidá-la com aquele amor infinito que nasceu na mulher que você já é. 

Não pude oferecer uma festa de princesa, mas posso enchê-la de amor. Afinal, o amor é maior recurso que uma guerreira pode ter.



Texto de comemoração do aniversário de minha filha Julia Lazari