quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Feliz Novo Dia

Então acabou?
Será?

Estão todos vibrando, excitados… comemorando um fim e brindando um início… e eu me pergunto: de quê?
Um número mudará, e passaremos a assinar uma data com final 16 (cá entre nós, quando nos acostumarmos com ela já será meados do mês de abril) e ainda assim, celebramos mudança como se as pessoas que somos, simplesmente, abrirão os olhos em outro corpo, outra forma, outra vida.

Não… por favor… não julgue-me antes de entender meu ponto de vista. Não sou pessimista, muito menos sou descrente em mudanças. Mas custo a entender tamanha excitação para um evento que é celebrado como se um milagre fosse acontecer.

Hoje é o último dia do ano de 2015 e você, como eu, viveu amores, dissabores, alegrias e tristezas durante os últimos 365 dias. 
O que fica para trás hoje, fica para trás todos os dias. O peso de tudo que acontece (aliás, os pesos e medidas) quem dá é apenas você! Isso mesmo…VOCE!

Não é a mudança de ano quem muda fatos, não é a mudança de data que muda o mundo. O que muda o mundo é a forma que você percebe, a forma que você trata, a forma que você retribui.

Muda o mundo você educar seus filhos, ser cordial, ter empatia, ser acessível, importar-se com a consequências de suas ações diárias e mínimas.
Muda o mundo tudo aquilo que você é, e todo o esforço que você faz para melhorar… a cada dia, cada segundo, cada nova ação (só mesmo nosso íntimo sabe quanto esforço têm dentro disso).
Muda o mundo você amar. Muda o mundo você respeitar. Muda o mundo você assumir compromissos e honrá-los, cumprir com seus deveres de cidadão, pai, filho, irmão, cônjuge. 
Muda o mundo você ser gentil (ahhhhh… como muda!), porque gentileza doa-se, desprendidamente, não interessa à quem.
Muda o mundo você ser cuidadoso com as palavras, ser verdadeiro, olhar nos olhos e não ter melindre. Muda também quando você não faz ao outro o que não gostaria que fizessem com você (clichê, mas muito real).
Muda-se o mundo economizando água, energia, reciclando… mas nada disso com intuito de diminuir a conta, mas com consciência de desperdício.
Muda- se o mundo quando aprende-se a afastar-se daquilo que tira sua tranquilidade ou daqueles que sugam sua energia. Nem sempre um volume grande de pessoas ao redor significa bem estar. Uma solidão tranquila pode ser muito mais aconchegante do que a presença de um acompanhante desequilibrado.
Muda o mundo quando para-se de provocar desconforto, em quem quer que seja, ou quando entende-se a não responder a uma provocação. 
Mudamos o mundo quando somos melhores em tudo que podemos ser, sem sermos radicais, porém criando consciência de nossos atos e atitudes. 

De nada adianta esperar mudança, sentados, de braços cruzados, ou apontando aos outros.
Não adianta aguardar a alteração em algo ou alguém, quando paramos em qualquer conforto (ou desconforto) e ficamos estáticos, cheios de esperanças, mas vagos em atitudes.

A mudança que almejamos começa conosco. É uma mudança íntima, nem sempre agradável, mas é a única forma de perceber modificação.
Não serão mais 365 dias para você ser uma nova pessoa. Será uma vida inteira de possibilidades, composta por 1440 minutos diários, onde demanda dedicação, zelo e cuidados, que somente uma visão desobstruída consegue promover.
De a si a chance de modificar-se a cada dia, medindo erros e acertos e tentando acertar um pouco mais a cada vez (não somos celestiais e temos que entender e aceitar esse fato).
Minta menos para você mesmo, seja verdadeiro sempre, ouça seus monstros internos e avalie-se sempre que puder. Não profira as palavras “eu sou assim mesmo”… ninguém ‘é assim mesmo’ e ponto. Há sempre a chance de mudar.
Afinal, para isso mesmo que existe o tempo, e os dias, e os anos... e amanhã é um ótimo dia para recomeçar ... Como o dia seguinte e o subsequente também serão.

Feliz novo dia para você. 





domingo, 20 de dezembro de 2015

Brit

Olhei para o frasco transparente contra a luz, em busca de algum líquido e constatei: não havia mais perfume.
Ainda assim, eu o borrifei  sobre a tatuagem, no pulso esquerdo. O que saiu foi misto de ar e fragrância pouca.
Senti o coração contrair em tamanho e disparar em velocidade desastrosa. Era como se um coração de passarinho ocupasse o espaço do meu e a velocidade e batidas diminutas foram sentidas em meu pescoço: aquele que não teria mais o borrifo do perfume.

Agora sim, estava tudo acabado.
A última gota, literalmente, havia saído daquele frasco que, até aquele momento, ainda guardava esperança.
Agora sim, não haveria mais lembrança.
Agora sim, um ciclo se fechara e o pouco que ainda existia, havia pairado em um ar saudoso, porém, fixo no pulso esquerdo.

Fechei a embalagem de vidro que possuiu 100ml. Conseguira, com muita economia, manter comigo o perfume comprado na avenida luxuosa de uma cidade francesa, há mais de ano e meio. Alternei com todos os perfumes possíveis (que não são tão meus quanto esse) para que, justamente, algum dia, ele pudesse ser sentido por quem a ele pertencia.
Mas agora, agora não há mais perfume.

Olhei para o espelho e constatei: absolutamente nada havia mudado nesse tempo todo de silêncio, com exceção das rugas que agora ocupam pele flácida. 
Pele que expressa o desencanto e o engano guardado em tantos dias.
Pele que envelheceu alguns anos em dois.

Me senti, mais uma vez, uma tola por acreditar em tanta palavra vaga de quem sabe muito sobre notas e pouquíssimo sobre música.

Aproximei o rosto do espelho, e olhei dentro de mim.
Eu ainda estava lá.
Eu sabia que ainda estava lá.
Respirei fundo, peguei o frasco oco e o depositei no lixo. Não precisei jogar. 

Agora sim, estava tudo acabado.
O borrifo miserável do braço esquerdo sumirá em poucas horas.
E algum dia, com alguma sorte, esse sentimento estúpido também.


 * De vez em Contos - Livro

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Ao leitor



Enquanto olhos atentos
escutam em boca oculta
o que intelecto estrutura em ideia
palavras e chacotas contidas.
Escuta-se música baixa
Movimento ordenado
Planilha organizada
em mente revolucionária
algemada em contenção.

É uma paz nada mascarada
É só uma fórmula, de quem:
muito  pensa
nada sossega 
e muito cala,
Mas por dentro sempre ri.

P.S.: Em desobedecimento e homenagem ao leitor #35.000. 


sábado, 21 de novembro de 2015

Aonde foi parar



Acordei em qualquer tempo
onde não havia espaço
não havia sentido
muito menos, amor.

Abri os olhos
em qualquer dia, onde todo segundo é vazio
e tanto momento bonito se esvai em milímetros.

São muitos mil metros 
que nos separam
e não param de correr.

Para quê tanta corrida
se a única intenção era encontrar um só lugar?
Um lugar onde o coração abrandasse
e a alma respirasse grande
todo o sentido de viver...

Eu só não sei aonde for parar
tanto bem querer
tanto amor
e tanta promessa.
Ou talvez, tanta mentira.





segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Sinto muito

Sinto porque não sou só
sinto porque não sou única
sinto porque não sei.

Sinto porque queria diferente
e sinto porque não é.

Eu sinto pelo silêncio
sinto pela distância
sinto pelo sentido todo
que não tem nenhum.

Sinto por tanta palavra calada
e por tanto calor gelado
e pelo pulmão vazio.

Sinto pelo espaço
onde antes havia beleza
e que hoje habita estio.

Eu só sei que sinto,
e sinto muito.


sábado, 14 de novembro de 2015

Por favor, esconda meu tablet.

Fui presenteada com uma cópia em DVD de umas memórias de infância.
Nela, alguns vídeos feitos em casa, onde nós, os três irmãos, mais alguns amigos e vizinhos, reproduzíamos filmes, como Romeu e Julieta, Star Wars e Indiana Jones. Tudo apenas com muita criatividade e uma câmera, coisas da infância de crianças que têm pais que trabalham (e aprontam enquanto eles estão longe).

Minhas filhas  adoraram o tal vídeo e a Mel o reproduz com frequência. Até que, um dia, ela chega chorando e pedindo: “por favor, esconda meu tablet de mim! Eu não quero mais usar!”
Uma investigação bem rápida já detecta o problema: “Eu quero ter a infância que você teve. Você brincavam o dia todo e a gente só fica mexendo em computador.” Ela ainda disse mais um monte de frases tristes, que apontaram a escravidão da internet, a falta de amigos não virtuais e claro, a necessidade daquela alegria que mostramos nos filmes.

Tive que começar explicando que nem tudo eram flores: nós não ríamos o tempo todo e o ócio era presente em muitos dias. Pedi para que ela prestasse atenção em algumas partes pontuais, onde claramente, havia discussão e briga. Falei da dificuldade e das besteiras que fazíamos. Tive que explicar que o tablet não tem culpa, mesmo porque, ele faria a vez da câmera (como tantas vezes faz nos pequenos vídeos que ela e a irmã tem gravado). Ele quem traz o acesso que hoje se faz necessário, e que talvez, a maior dificuldade hoje fosse não ter vizinhos próximos da idade para brincar, como eu e meus irmãos tivemos. Sugeri que a visita de amigas fosse mais frequente. Ela foi se acalmando com a conversa (que aconteceu depois disso mais umas duas vezes), mas a Mel, por si, decidiu diminuir seu acesso à internet (o que, em casa, é estipulado apenas uma hora por dia, após todas as tarefas imprescindíveis serem realizadas).

E nós confabulamos coisas sobre o tal vídeo, minha infância, e a própria internet…
Me instigava elas gostarem tanto assim daquele vídeo caseiro. E ainda, especificamente de uma filmagem, que a mim incomoda muito: me sinto uma idiota. Elas adoram e explicaram depois: “a gente gosta porque você está muito divertida”. E eu tive que entender, que a idade e as brincadeiras feitas, são correspondentes às delas hoje. Elas se identificam.
Exploramos o fato que a infância delas, não têm como caber na minha. Estamos falando de quase trinta anos de diferença, e esses anos fazem diferença sim: o mundo é outro, as pessoas são outras. O comportamento mudou, o individualismo aumentou, as árvores diminuíram em quantidade e o fluxo de trânsito é 10 vezes maior: não dá mais pra subir num pé de jabuticaba,  brincar na rua de taco... A jabuticabeira do meu quintal não tem nem um metro de altura, e está em vaso… isso porque, ainda tenho uma! Apesar da casa ser a mesma daquela minha pouca idade, os vizinhos, quase todos, não são. As pessoas mal se falam, quando muito um cumprimento rápido. E seus filhos estão em seus tablets, ou fazendo os muitos cursos extras que o mundo exige de uma criança. Afinal, temos que ser adultos preparados para esse mundo, não?
A infância de meus filhos é diferente do que foi a minha,  assim como a minha foi diferente da de minha mãe, e por aí afora. Fomos perdendo contato com a terra, com os animais e com as pessoas. Temos acesso ao mundo inteiro em uma tela, mas estamos aprisionados na necessidade da atualização imediata, enquanto o que tínhamos de mais adequado (o contato pessoal), perde-se em apenas cliques virtuais.
Perdemos uma parte do nosso precioso tempo, ou seja, dos nossos minutos de vida, precisando saber o que acontece do outro lado do mundo, sem saber o que se passa com a pessoa que está ao lado. E precisamos usar alternativas e criatividade para ter acesso à natureza.

“A internet tem suas vantagens”, eu expliquei para a Mel, “hoje, se você tem uma dúvida, com uma pesquisa rápida, você encontra sua resposta. Na minha infância, precisava ir à biblioteca e abrir livros gigantes para tentar encontrar uma pesquisa”. 
Não penso que nenhuma das alternativas seja excelente: minha sugestão foi usar a internet para otimizar o tempo e então, desfrutar do tempo livre com um bom livro.

A Mel comprou a ideia. A Julia já tinha comprado e o Leo também é usuário. A internet não pode nos aprisionar, não deve ser uma premissa. Ela é uma ferramenta! E nós, precisamos aprender a usar. 
O ideal é usar a tela para atualizar-se, mas ter um vida, uma vida real mesmo, com amigos, conversa fiada e conversa séria, família unida e jantares, abraços e beijos de verdade.

A Mel entendeu algumas outras coisas: a grama do vizinho parece sempre ser mais verde. Mas a vida não é bem assim. Precisamos valorizar o nosso. Cada um sabe quanto preço se paga para ter o que tem: família, amor e amigos. Isso tudo despende trabalho árduo. 

E eu, fiquei com uma vontade danada de voltar a ser aquela menina de cabelos volumosos e olhos grandes, qual aparece na filmagem do DVD. 
Deixei de ver a menina que era como uma idiota. E minhas filhas me mostraram que estou levando a vida muito à sério. 

Preciso também esconder. Preciso aprender a esconder (de vez em quando) um adulto e voltar a ser mais divertida. ;)


segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Suspiro




Perdeu-se em qualquer lugar,
onde o ar rarefeito é substituído
por névoa cinza pesada.

Onde antes havia bem querer
e imensidão preenchida,
é vaso raso, com terra infértil.

E o que era esperança, agora é só tolice assumida
de quem a cada dia
espera menos,
escreve menos,

e cala mais.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Positivo


Estava sozinha, no banheiro de um hotel em Miami.
Havia saído para passear com algumas colegas e, já com uma pulguinha atrás da orelha, decidi, discretamente, comprar um daqueles exames de urina caseiros.
E, com o coração dando pulinhos de ansiedade, deixei o tal exame, que mais parecia uma caneta, pousado sobre o balcão do banheiro nada acolhedor.
Resolvi esperar no quarto pelos três infinitos minutos prometidos para o resultado, e segurei ainda mais uns dois minutos extras, para ter certeza que não teria me adiantado e não visse resultado errôneo.
Nas duas janelinhas da caneta/exame, havia uma faixa azul, que significava: positivo.

Entre as tantas dúvidas que perturba a mente de uma mãe, existem os vários medos e ânsias para que a gestação  dê certo, que o bebê seja saudável, e a vida seja amena para a família em geral.
Ler um positivo pela terceira vez, não trazia os mistérios de uma gravidez, mas ainda sim, novidades e novos desafios.
A começar por conhecer sua presença estando sozinha, em terra distante e sem ter acontecido planos para sua chegada.
Em explicar para seus irmãos que havia mais uma pessoazinha em breve e que a atenção deles seria ainda mais dividida.
Na responsabilidade de conduzir um lar, com dois tripulantes sendo responsáveis pela criação de três filhos: nossas ausências tantas e a saudade muita.
Na adaptação toda da chegada de um bebê, que dessa vez, aconteceria com uma mudança de casa, mudança de apoio, mudança de estrutura.

Aqueles medos todos, a ansiedade alta e as possíveis inseguranças esvaíram-se quando as 22 horas do dia 04 de novembro, aqueles olhos azuis me olharam pela primeira vez. E desde então, permaneceram com a mesma expressão de atenção.

Chegou atenta a tudo e a todos, e cativando, com sua sagacidade e desenvoltura, àqueles que a conheceram de perto.
É impossível citá-la , sem colocar todas suas qualidades em pauta. E quem disse que é uma menina sem defeitos? Não, não é.
Mas é uma menina com virtudes em dimensões que muito adulto não consegue alcançar, e que essas qualidades se sobrepõem aos poucos defeitos humanos que têm.

É menina que aprendeu rapidinho a espantar seus pequenos monstros, que chora de tristeza, mas que em poucos minutos canta alegremente e nessa fórmula contagia a todos.
É pessoa que observa, avalia e questiona, sem sentir melindre, mostrando uma maturidade acima de sua idade.
É menina ácida, com velocidade de pensamento espantosa, e cheia de ironia quando precisa se proteger.
É brincalhona, divertida. É contagiosa na maneira de viver.

Está crescendo percebendo todos os venenos que existem no mundo e aprendendo a se defender deles. Entende com precisão inúmeros sentimentos que muita gente barbada não consegue distinguir. 

Ela foi uma novidade. Uma novidade para todos, chegou chegando, quebrando todas as antigas teorias, os imaginados conhecimentos.
Ela chegou num misto de ingredientes positivos, que o tal exame inicial não detectou.

Ela trouxe doçura, carisma, rapidez, vivacidade, alegria e astucia. Uma mistura maravilhosa, que refletem seus olhos claros, e que somente quem convive e consegue provar seus sabores, descobre quão diferenciado esse mel é.

Ela é um positivo em toda extensão da palavra.

Seu nome é Mel. Mas quem vive de suas doçuras e prazeres, somos nós.







sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Sinônimo de aviador.

Eles são essenciais.
Gente que se qualifica desde o momento do sonho, até onde o sonho se concretiza a mais de 40 mil pés.
São pessoas que são testadas, desde a primeira aula, desde o primeiro curso. 
São estudiosos e enfrentam a pressão do conhecimento. Precisam atualizar-se a cada instante, porque a informação muda, e muda o tempo todo, como o próprio tempo qual eles são especialistas em enfrentar (ou desviar).
Passam por pressão psicológica. Enfrentam simuladores de situações que ninguém deseja passar: e estão sempre aptos.
São homens e mulheres habilidosos e concentrados. 
São atenciosos, astuciosos. São atentos, perspicazes, sagazes, astutos. Porém, modestos.
São pessoas que retém habilidades que nem todos os humanos conseguem atingir. E dividem toda essa habilidade. Aprenderam que precisam aprender sempre e não podem subjugar toda nova informação.
Muito provavelmente porque deixaram de ser humanos normais. 

São homens e mulheres que voam. Melhor: são condutores das asas para que os normais possam se deslocar. Eles tem a responsabilidade de fazer o mundo girar, basicamente. E fazem com que o deslocamento de pessoas e produtos, seja concluído com sucesso e com muita segurança. 

Eles carregam os sonhos nessas asas metálicas.
Os sonhos de tantas pessoas que viajam em busca de outros mundos, que almejam outros lugares,  enquanto eles mesmos, a cada quilômetro ficam mais distantes do que lhes é mais importante: de seus ninhos.
Eles abrem mão de seus lares, famílias e amigos e carregam consigo outras tantas famílias e sonhos para seus destinos ou lares.

Suas asas vão além daquelas metálicas que um avião tem.

Pilotar não é nada fácil, mas alguns o fazem por trabalho.
Voar, com alma aberta, coração no manche e amor à profissão, isso somente o dono de um grande coração pode fazer. Esse, se chama aviador.

O sinônimo de aviador não é "piloto de avião".
Sinônimo de aviador é "desbravador de sonhos". 

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

O sexo do bebê (relato de uma comissária)

Aconteceu durante o embarque, em um voo que saiu da Miami para São Paulo.
Entre 350 “bom dia” e “seja bem vindo”, ele, especialmente, não chamou minha atenção.
Mas, em algum momento, uma colega interfona para mim e diz: “Mari, não estranhe. Tem um passageiro indo aí para a frente, ele está nervoso porque perdeu a conexão  wi-fi, a esposa está grávida e ele precisa saber o sexo do bebê.”
Bendita foi a informação da colega porque, quando vi aquele homem desbravando o fluxo contrário, com tensão nítida no semblante, me tranquilizei sem pensar que era uma possível ameaça. Sem a informação anterior e com os gestos nervosos daquele homem, eu arrepiaria a coluna imaginando um problema sério comportamental, quando não, uma interferência ilícita.
Ele chegou à minha frente (eu saudava a todos na porta de entrada) e começou a gaguejar o que precisava fazer. O tranquilizei dizendo que já sabia, “fique calmo”, eu disse, “só não posso permitir que desembarque, mas aqui o senhor conseguirá conexão.”
Aquele homem alto, acima de 1,90, suava frio à minha frente. Mexia no telefone, balbuciava palavras desencontradas, maldizia a tal conexão ruim, e sentia pânico em cada segundo que esperou. 
As pessoas que passavam, olhavam feio, sem entender tal comportamento e eu tive a liberdade de orientar uma outra colega que fez careta para o que via: “Não julgue, você não sabe o que está acontecendo.”
Este homem, em algum momento, encontrou uma rede paga e precisava de seu cartão de crédito. Derrubou quase tudo que tinha na mochila, de forma desastrada, em busca da carteira e consequentemente, do cartão. Ele digitou alguns números e finalmente anunciou: “Consegui!”
Sem tirar os olhos do telefone, escreveu rápido, enquanto balançava as pernas ansiosas, e continuava falando frases soltas, daquelas que a agonia ou ansiedade proliferam.
Até que, soltou um “Meus Deus!”, pôs a mão direita cobrindo a boca, e soltou seu corpo para trás, em um anteparo, e começou a chorar copiosamente. 
Aquele homem grande, escorregava as costas na parede e perdia as forças das pernas, em um choro de emoção que poucas vezes presenciei. 
Perguntei: “O que é?” E ele, deixando seu corpo cair: “Um menino!” e chorou alto.
Em um gesto impensado, eu o abracei antes que se sentasse de vez, e o ergui ainda em abraço. Ele retribuiu o abraço com força e ficou ali comigo, não sei dizer quanto tempo, mas molhou meu ombro e apoiava-se em mim, enquanto soluço dominava seu corpo.
Nesse abraço, eu proferi aquelas palavras de desejo de saúde e afeto no lar.
Ele me soltou e decidiu usar o recurso de ligação que o aplicativo permitia. Em voz e mãos trêmulas, olhou pra mim e disse: “Sabe o que é? É que eu já tenho 3, e são três meninAs!” e permitiu mais lágrimas escorrerem, enquanto em ligação completada com a esposa, agradecia à ela efusivamente e dizia o quanto a amava e estava feliz.
Eu chorei junto. Na verdade minha emoção começou quando aquele homem quase desmontou-se ali, mas chorei durante o abraço e durante aquelas palavras lindas de amor.
A mesma colega que olhou estranho em algum momento, encheu também os olhos, quando percebeu quanta emoção acontecia, mesmo sem saber o quê. A outra funcionária que ocupava a rampa de embarque, também. Os poucos clientes que embarcaram nesse momento (eram momentos finais de embarque), sorriam ao passar porque viam quanto sentimento eclodia ali.
Enquanto recompus a profissional que eu precisava ser, ofereci uma taça de champagne para o novo papai, que aos poucos foi deixando a excitação diminuir, em brinde à excelente notícia que havia recebido.
Partimos em um voo tranquilo. E esse homem, manteve o sorriso no semblante durante as oito horas seguintes. Passei por ele várias vezes, brinquei, conversei. E vi que, até mesmo de olhos fechados em suposto cochilo, o novo papai sorria, realizado, estampando sua felicidade.
Ao final do voo, o Sr Ricardo (descobri seu nome somente depois dos ânimos estarem brandos), desembarcou entre tantos outros clientes, e eu, estendi a mão para agradecer e o parabenizar, mais uma vez. Ele me puxou e me deu um abraço (inesperado). Chegou a dizer que eu participei de um momento muito importante e agradeceu toda a atenção e emoção. Saiu sorrindo como nas horas que havia passado.

Confesso que sou pessoa que se emociona sempre, mas esse episódio, foi muito especial.
Serviu para me lembrar o quanto as pessoas precisam de suporte, atenção e empatia, principalmente.
Lembrou-me de quantas histórias eu participo, mesmo que só de passagem (sem analogia barata), em tantas idas e vindas pelo mundo afora… Quanta emoção essa profissão carrega, nas despedidas, nas chegadas. Na distância e na proximidade que uma viagem pode gerar. 
Lembrou-me que, lá dentro, mesmo em aeronave cheia, esses assentos são todos ocupados por seres humanos, que têm suas dificuldades, sonhos, expectativas, famílias, histórias: cada um tem seu anjo e seu monstro pessoal.
Serviu para recarregar a energia em acreditar no amor, na família e na continuidade de uma raça que tem entrado em extinção (o ser humano com sentimento e valor).
Essa história serve para entender que, em algum momento, mesmo naquele que precisamos carregar o profissional que somos, precisamos estar com o peito aberto, alma límpida, preconceito zerado, e precisamos olhar ao outro e às suas necessidades com carinho, porque o automatismo nos impede disso.
Serviu para perceber o quanto é linda a lágrima de emoção, e quanta emoção existe em nossas vidas. 

O Sr Ricardo será mais uma vez papai. Dessa vez, de um menino. 

E esse menino me fez amar ainda mais a profissão que abracei.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Magnata


Eu só quero companhia de pessoas ricas ...

Eu aceito companhia para o passeio no parque, para o piquenique, para ficar deitada na grama assistindo as nuvens passarem.
Aceito companhia para um cinema, para uma pipoca ou para um filme no sofá.
Aceito a chamada para um café: pode ser no bistrô, na padaria ou em pé na cozinha.
Aceito dar uma volta pela praia, caminhar descalça na areia ou para o banho de mangueira no quintal.
Aceito parceria para o banho de chuva. 
Aceito companhia para meia hora de risada, pra falar só de coisas boas ou bobagens: para esquecer a parte dura da vida e desanuviar.
Aceito parceria para um abraço, daqueles bem fortes, onde tudo em volta desaparece e o mundo fica restrito a apenas dois corações.
Aceito um telefonema com boas notícias, para um alô de saudade ou qualquer palavra que faça suspirar.
Aceito companhia para uma cerveja, ou para um copo de água gelada, para saciar o calor da alma e do coração.
Aceito parceria para olhar as estrelas, para sonhar com o futuro. Para admirar o pôr do sol ou o nascimento dele.
Aceito acompanhante para uma corrida, para uma caminhada, ou para sentar à sombra de uma árvore.
Aceito companhia que não despenda necessidade de gastar dinheiro para impressionar, mas que esteja disposta a gastar energia com alegria.
Aceito companhia que seja rica em empatia, amor, e sinceridade: bens que fazem uma elite rara. 
Aceito companhia para compartilhar uma fortuna que não se guarda em banco, não existe em apólices, mas que torna seu proprietário dono de uma riqueza infindável. 

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Durante o jogo


Eu não sou alguém importante, faço parte daquela massa gigante das pessoas comuns. 
Não tenho destaque em nada. Sou só mais uma pessoa.
Só que faço parte de um time. Do Time dos Tontos.
Sou do time dos bobocas:  daqueles que chega no ambiente de trabalho rindo para todo mundo e fica tentando fazer todo mundo sorrir também.
Sou daqueles que leva em consideração o bem estar de quem está em volta e de quem chegará daqui a pouco. Dos que se preocupa com a consequência e quer fazer o melhor que pode.
Sou daqueles que fala a verdade. Que fala a verdade olhando nos olhos. Sou daqueles que não se aproveita, e que fica bem sem graça, quase sem jeito, quando tem alguém querendo ajudar, mesmo quando precisa.
Sou daqueles que assume as próprias cagadas e fica dias sem dormir depois de fazer uma. Dos que não dorme quando está triste também.
Sou daqueles que chega no horário (e fica preocupado em cumpri-lo). Sou dos que cumpre o compromisso. 
Daqueles que fala que fará e faz, mesmo querendo não fazer: mas acordo é acordo e deve ser cumprido.
Sou daqueles que tem um inferninho próprio e sofre com as vozes dos anjos que insistem em que tudo deve ser perdoado, relevado ou deixado para trás.

Não sou um anjo em absoluto, mas, por fazer parte desse Time dos Tontos, sou quem é considerado “gente boa”.
Sou daqueles que é deixado para trás, porque não guarda mágoa.
Sou daqueles que não é escolhido, porque não terá chilique.
Sou daqueles que é provocado em último grau, porque querem testar o limite.
Sou daqueles que escolhem para entristecer, porque tem sempre bom humor.

E eu me pergunto, o que será que acontece na cabeça do outro time? Do Time dos Espertos?
Porque ouço todo mundo reclamar que o “ser humano” não tem jeito, que cansaram das pessoas: que desconfiam, que mentem, que escondem, que abusam.
Aqui, do Time dos Tontos, eu posso afirmar: cansa ser desse time e normalmente, quem está nele é titular… não para no banco de reserva. Está sempre em campo, lutando com um adversário que tem melhores jogadores, mais bem preparados, muito mais atentos e cheios de ginga.
O Time dos Espertos tira um sarro de nós. Mas reclama dos seus próprios jogadores. Aliás, o Time dos Espertos, fala, fala, fala e quase sempre que precisa agir mesmo, se finge de contundido.
O Time dos Espertos vive se glorificando de suas conquistas, mas não percebe que seus praticantes são exatamente o motivo de suas queixas.
O Time dos Espertos tem arrecadado muitos simpatizantes. O Espertos aumentou, e nem percebe. E ainda pior: eles têm jogadores infiltrados entre os Tontos. São os Espertos que se fingem de Tontos.

Nós, do time dos bobocas, estamos perdendo. O outro time está nos convencendo de que não vale a pena ser tão bacana, nem tão querido, nem tão gentil. E quando um de nós fica chateado por um tempo pouco qualquer, vem um dos Espertos e incita (com muito sarcasmo): “Mas você não é uma boa pessoa?”
O time adversário conquista a cada dia mais jogadores dos Tontos: porque os Tontos cansam, esgotam e esvaem suas forças. 

Eu não sei o que se passa na cabeça do outro time. Sei só que sinto um cansaço danado em fazer parte do meu. 




sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Cápsula do tempo



Me perguntaram se saudade é bom ou ruim.
Respondi que saudade é sempre bom.
Saudade é amor e boa lembrança.
E nesses dois itens bons, não tem como haver sentimento ruim.

Saudade é capsula do tempo.
É aquele momento que, por alguns instantes, você volta em tempo remoto. 
Seus olhos se fecham e seu coração aperta: quando teu corpo te desobedece e o pensamento viaja longe. 
Você volta para um instante ou para um tempo que gostaria de ter pausado a vida e encostado por lá por um período longo. Onde você sentiu-se em colo quente, abraço apertado e aconchego justo. Onde seu coração parou de doer e bateu seus compassos ritmados e a vida te mostrou que havia sentido em tudo. Onde sua alma clareou seus olhos e o ar encheu seu pulmão com ar fácil, leve. Onde a vida te presenteou com suspiros e oxigênio extra. Em qualquer lugar, momento ou pessoa, onde tudo pareceu que daria certo, que haveria sentido em tanta perda anterior e haveria esperança em outras novas conquistas.

Quando sente-se saudade, o coração fica apertado, imitando um recipiente plástico que alguém pressiona e derrama o conteúdo.
Saudade é assim: é amor extravasado do coração em forma de lembrança.

Saudade não é um problema, e está longe de ser ruim.
Problema é a distancia que causa saudade. 
Ruim é o melindre ou o medo que fazem saudade.
Mas a saudade em si… ahhhh não… a saudade não é ruim.
A saudade é amor, em sua plenitude de insubordinação, que desobedece o sossego do dia-a-dia e recorda, com toda força possível onde houve tempo que foi permitido juntar amor, vontade, proteção e desejo.

Saudade é a única forma de voltar no tempo.
Uma forma de voltar num tempo bom.






sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Um menino na praia

Uma criança na praia.
Em muitas situações, seria apenas mais uma foto, de mais uma criança, em um dia de praia.
Mas essa não. Essa foto não tem uma criança brincando. Não tem bola, nem família ou alegria.
Nessa foto, apesar da mudez de toda fotografia, e mesmo sem sangue algum, tem o horror e o desespero de um mundo que imigra exasperado à procura de esperança de vida.

E essa imagem se espalha pelo mundo, agora com ilustradores  com criatividade em alta, sugerindo outras cenas, para que em nosso consciente, quem sabe, fique alguma coisa positiva, no meio dessa desgraça toda. 

É uma imagem triste, em meio a tantas outras imagens que temos do pandemônio do mundo. Mas sempre há alguém para registrar a imagem. 
Imagino que, naquela situação, não teria como o fotógrafo auxiliar com algum tipo de resgate, mas já presenciei cena qual as pessoas fotografam, filmam ou prostram-se pasmas, enquanto quem precisa de ajuda, permanece pedindo socorro, sem ser atendido.

A imagem do menino morto com o rosto na areia é angustiante, mas, mais lamentável é a cena de quem vê paralisado momentos como esse, todos os dias, e nada faz para mudá-lo.
E essa mudança, não precisa acontecer de forma macro, porque o ser humano tem mania de abster-se de culpa, imaginando nada fazer para mudar um todo. Não podemos mudar de forma generalizada mesmo, porque a mudança é individual.

A forma de sair do caos que nos encontramos é estudando muito, lendo muito e sendo um pouco menos egoístas. 
Aperfeiçoando nossos conhecimentos e sendo mais gentis com o mundo em geral. 
A começar pela nossa casa: em nossa família, ouvindo aos nossos filhos, pais ou cônjuge… dando conselho, sendo ouvidos e olhando nos olhos. Saindo mais desse mundo virtual e tendo mais contato humano.
Sendo mais gentis com aqueles que participam de nossas vidas: com o funcionário, com o prestador de serviços, com quem passa na rua.
Com menos ferocidade no trânsito, com mais afabilidade com colegas de trabalho, com mais cortesia no restaurante, mais civilidade nos serviços comprados.

Queremos menos guerra para um mundo inteiro, mas não paramos na faixa para o pedestre atravessar.
Queremos menos imagens de violência, mas damos audiência a programas que incitam o que é negativo.
Queremos um futuro melhor, mas presenteamos nossos filhos para compensar nossa ausência.
Queremos ser bem tratados, mas não temos a delicadeza de dar bom dia.

A criança na praia da Turquia é um reflexo do mundo que vivemos:
estamos estupefatos apontando o erro dos outros, impressionados com a violência, perplexos com as mortes.

E atônitos, assistindo a tudo, mas achando que somos perfeitos.

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Não, obrigada


Não, obrigada.
Não quero mais ser assaltada.
Não aceito ser violada em minha intimidade.
Não permito mais que se aproximem e roubem meu melhor: que diminuam meu sorriso, meu bem estar ou minha quietude.
Não consinto que levem meu sossego embora ou alvorocem minha paz interior.
Não autorizo que amarelem a minha alma, que meu coração descompasse esquizofrênico, ou que o frio na barriga seja por medo ou pavor.
Não quero mais sabores amargos, pensamentos latentes ou respiração rasa.
Não carrego mais pedras que não sejam minhas, não levo nas costas peso que não seja meu.
Não serei mais bengala, apoio ou muleta de quem só chega para recarregar-se e vai embora como se não tivesse sequer passado por aqui.
Não quero quem aparece de vez em nunca e descarrega um caminhão de lixo, como se eu não tivesse o meu próprio para desovar.
Não quero próximo, nem por um segundo, quem abraça falso, quem profere palavras vagas e frias, quem não tem amor pra dar. 
Não quero junto quem não tenha amor ou não saiba o que é amar.
Não, obrigada.

Não quero mais problema de quem apenas tem problemas para dar.