Fui presenteada com uma cópia em DVD de umas memórias de infância.
Nela, alguns vídeos feitos em casa, onde nós, os três irmãos, mais alguns amigos e vizinhos, reproduzíamos filmes, como Romeu e Julieta, Star Wars e Indiana Jones. Tudo apenas com muita criatividade e uma câmera, coisas da infância de crianças que têm pais que trabalham (e aprontam enquanto eles estão longe).
Minhas filhas adoraram o tal vídeo e a Mel o reproduz com frequência. Até que, um dia, ela chega chorando e pedindo: “por favor, esconda meu tablet de mim! Eu não quero mais usar!”
Uma investigação bem rápida já detecta o problema: “Eu quero ter a infância que você teve. Você brincavam o dia todo e a gente só fica mexendo em computador.” Ela ainda disse mais um monte de frases tristes, que apontaram a escravidão da internet, a falta de amigos não virtuais e claro, a necessidade daquela alegria que mostramos nos filmes.
Tive que começar explicando que nem tudo eram flores: nós não ríamos o tempo todo e o ócio era presente em muitos dias. Pedi para que ela prestasse atenção em algumas partes pontuais, onde claramente, havia discussão e briga. Falei da dificuldade e das besteiras que fazíamos. Tive que explicar que o tablet não tem culpa, mesmo porque, ele faria a vez da câmera (como tantas vezes faz nos pequenos vídeos que ela e a irmã tem gravado). Ele quem traz o acesso que hoje se faz necessário, e que talvez, a maior dificuldade hoje fosse não ter vizinhos próximos da idade para brincar, como eu e meus irmãos tivemos. Sugeri que a visita de amigas fosse mais frequente. Ela foi se acalmando com a conversa (que aconteceu depois disso mais umas duas vezes), mas a Mel, por si, decidiu diminuir seu acesso à internet (o que, em casa, é estipulado apenas uma hora por dia, após todas as tarefas imprescindíveis serem realizadas).
E nós confabulamos coisas sobre o tal vídeo, minha infância, e a própria internet…
Me instigava elas gostarem tanto assim daquele vídeo caseiro. E ainda, especificamente de uma filmagem, que a mim incomoda muito: me sinto uma idiota. Elas adoram e explicaram depois: “a gente gosta porque você está muito divertida”. E eu tive que entender, que a idade e as brincadeiras feitas, são correspondentes às delas hoje. Elas se identificam.
Exploramos o fato que a infância delas, não têm como caber na minha. Estamos falando de quase trinta anos de diferença, e esses anos fazem diferença sim: o mundo é outro, as pessoas são outras. O comportamento mudou, o individualismo aumentou, as árvores diminuíram em quantidade e o fluxo de trânsito é 10 vezes maior: não dá mais pra subir num pé de jabuticaba, brincar na rua de taco... A jabuticabeira do meu quintal não tem nem um metro de altura, e está em vaso… isso porque, ainda tenho uma! Apesar da casa ser a mesma daquela minha pouca idade, os vizinhos, quase todos, não são. As pessoas mal se falam, quando muito um cumprimento rápido. E seus filhos estão em seus tablets, ou fazendo os muitos cursos extras que o mundo exige de uma criança. Afinal, temos que ser adultos preparados para esse mundo, não?
A infância de meus filhos é diferente do que foi a minha, assim como a minha foi diferente da de minha mãe, e por aí afora. Fomos perdendo contato com a terra, com os animais e com as pessoas. Temos acesso ao mundo inteiro em uma tela, mas estamos aprisionados na necessidade da atualização imediata, enquanto o que tínhamos de mais adequado (o contato pessoal), perde-se em apenas cliques virtuais.
Perdemos uma parte do nosso precioso tempo, ou seja, dos nossos minutos de vida, precisando saber o que acontece do outro lado do mundo, sem saber o que se passa com a pessoa que está ao lado. E precisamos usar alternativas e criatividade para ter acesso à natureza.
“A internet tem suas vantagens”, eu expliquei para a Mel, “hoje, se você tem uma dúvida, com uma pesquisa rápida, você encontra sua resposta. Na minha infância, precisava ir à biblioteca e abrir livros gigantes para tentar encontrar uma pesquisa”.
Não penso que nenhuma das alternativas seja excelente: minha sugestão foi usar a internet para otimizar o tempo e então, desfrutar do tempo livre com um bom livro.
A Mel comprou a ideia. A Julia já tinha comprado e o Leo também é usuário. A internet não pode nos aprisionar, não deve ser uma premissa. Ela é uma ferramenta! E nós, precisamos aprender a usar.
O ideal é usar a tela para atualizar-se, mas ter um vida, uma vida real mesmo, com amigos, conversa fiada e conversa séria, família unida e jantares, abraços e beijos de verdade.
A Mel entendeu algumas outras coisas: a grama do vizinho parece sempre ser mais verde. Mas a vida não é bem assim. Precisamos valorizar o nosso. Cada um sabe quanto preço se paga para ter o que tem: família, amor e amigos. Isso tudo despende trabalho árduo.
E eu, fiquei com uma vontade danada de voltar a ser aquela menina de cabelos volumosos e olhos grandes, qual aparece na filmagem do DVD.
Deixei de ver a menina que era como uma idiota. E minhas filhas me mostraram que estou levando a vida muito à sério.
Preciso também esconder. Preciso aprender a esconder (de vez em quando) um adulto e voltar a ser mais divertida. ;)