quarta-feira, 25 de outubro de 2017

O que ficou de você

Hoje eu precisei falar você.
Porque as palavras todas que não puderam ser faladas, estavam entaladas. Estavam impedindo que o ar entrasse e que o pulmão enchesse. E eu respirei raso nessas últimas horas mal dormidas.
Hoje eu falei você, mas não se preocupe. Falei para ouvidos idôneos, os melhores ouvidos que alguém pode ter. Você está protegido.
Desprotegida mesmo, só tenho eu nesta história, que voltei para uma base com cama fria, sem colo, sem abraço e sem recepção.
Desprotegida fiquei somente eu, nessa tolice de sentir demais a tudo, até mesmo ao que não foi sentido ou de sentir demais o que poderia ser… ainda de sentir muito porque é tudo penoso, no sentido de que seja uma lástima essa falta de sentido em tanto sentimento que poderia existir.
Me perdoe por ter falado você. Mas você estava preso em um não entendimento e para alguém como eu, não há nada pior do que não poder voar ou não entender. E essas rédeas precisam sair.
Me perdoe porque eu chorei você. E eu chorei descontroladamente, porque se tem uma coisa que em mim seja desobediente, são essas lágrimas que insistem em esvair após tamanha ponderação e tamanho esforço, de quem já conhece o caminho dessa história e  que essa passagem é só de ida, porque se algum dia houver uma volta, já não se é mais a pessoa que se foi.
Chorei você e esse tanto desconhecimento. 
Chorei ainda, uma inveja raivosa, também antes desconhecida, porque eu sei, você terá todas as leituras, todas as palavras, todos os sentimentos, todas as gavetas abertas, todos os arquivos revirados. Você sempre terá à mim. E eu, meia dúzia de palavras inteiras, onde, pode-se ter certeza, as visitarei repetidamente, como quem quer encontrar novas palavras em antigos escritos.
Nessas já releituras - confesso - encontrei outros tantos sentimentos, mas eles não estão na decodificação das letras, mas na emersão de novos sentidos, que a cada palavra, cada vírgula, surgem em mim. E trazem à tona uma repetição de pensamentos, dos nossos poucos momentos, em movimento psicótico, que tiram meu sono, meu sossego, e levam embora a rede da calmaria que balançava à mim.
Eu chorei a distância, eu chorei o cansaço, eu chorei o acaso, chorei uma história linda que não vai acontecer.
Chorei e falei tão pouco e ouvi desses ouvidos amigos: "Meu Deus! Ele é igual a você!"
Eu chorei esse acaso desastrado, mas chorei o alívio de saber que você existe e que eu posso encontrar você.
Chorei por esse trem maluco da vida, e por essa passagem estranha que eu sequer comprei.
E eu chorei por ter sido já tão transformada, e não ter aceitado fazer essa viagem e para assim, me perder de mim, mesmo podendo ganhar você.
Chorei porque nada pode, porque tudo continua; e citando você mesmo: "um dia a gente encapsula esse sentimento todo", até o dia que só o enxerga de longe e sorri. 
Chorei porque eu posso chorar por sentir tanto e por saber que poderei sentir nada.
Chorei porque você existe e existe um alívio em mim em o conhecer.
Chorei porque tenho uma parte bem boba - e bem viva - da qual me orgulho muito, que é justamente, saber sentir.  
E se chorar esse afeto todo trouxe qualquer coisa boa, foi poder derramar em mim o que ficou de você.



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