segunda-feira, 31 de março de 2014

Suicídio

Eu já sabia que isso iria acontecer.
De qualquer forma, isso já vem acontecendo há tempos. Aos poucos. Lentamente...
Só não sabia que o final seria assim, exatamente assim: me olhando no espelho, me sentindo forte o suficiente para apertar o gatilho. E sem um pingo de duvida sobre o que tenho que fazer. 

Sabia, quando você me olhou, naquela conversa informal e me deu seus contatos.

Sabia, quando você me mandou mensagens, quando se aproximou devagar. 
Sabia, enquanto você me mandava músicas e depois, flores.
Eu já entendia tudo quando você disse que aquele seu casamento estava acabado. Era claro que não estava, desde quando o que está acabado ainda existe?
Sabia, quando você fazia malabarismos para me encontrar escondido.
Sabia, quando você atendia telefonemas em outro ambiente.
Quando você não me atendia ou não respondia.
Quando você sussurrava, ou dizia ter inventado lugares para passear só para me telefonar.
Sabia, quando você falava com ela, chamando por apelidos.
Sabia, quando falada dos seus filhos.
Eu sabia que eu terminaria assim.

Sabia que você só me usava, mas você me convencia com a clareza de um bom político, que era a mim que você queria.

Sabia do seu lado não tão nobre, mas ouvia com ouvidos de quem é querida pela primeira vez, que era você quem aceitava meus defeitos.
Sabia que você ganhava em mim mais vida. 
Eu sabia também que você tinha em mim uma puta barata.
E eu, mesmo assim, com toda a inocência que uma amante pode ter, eu acreditei em você.
Acreditei que você voltaria. Acreditei que ficaria. Acreditei que eu era mais importante que ela. Acreditei nos seus olhos. Acreditei na sua leitura.

E tudo que eu sabia, antes da inocência escura da amante burra, aconteceu.

Você foi. E me levou.
Me levou embora. Levou meus instintos primários. Levou a minha confiança no mundo.
Você levou o melhor que eu tinha de mim.
Sobrou um resto.
Resto que já tentei apagar.
Tentei apagar com veneno, mas a lavagem gástrica foi mais forte. E só ficou meu estômago pobre, para somar com os restos de corpo que tenho, depois de tanto tempo sem dormir, nem comer, nem viver.

Mas hoje eu consegui. E você venceu. Você estava certo.

Você disse que eu era a mais forte que você conhecia.
E eu sei que sou.
Sou forte suficiente para terminar o que já começou.
Só não sabia que terminaria assim: olhando nos meus olhos. E com este cano gelado em minha boca.

Texto produzido para a Peça Teatral Casa de Retalhos de Marcio Azevedo

quinta-feira, 27 de março de 2014

O que ela tem de diferente?

Sabe o que ela tem de diferente? Muito. Quase tudo. Quase tudo nela, você nunca tinha visto em alguém. Não assim: não em conjunto, tudo junto e misturado, numa combinação deliciosa de se ver (e viver). A começar pelo seu coração que vibra. Porque o coração dela está a frente de qualquer ação que ela tome. Da mais convencional, até a mais intelectual. Ela é sensível, percebe tudo ao redor. Ela sorri quando uma rufada de vento toca seu rosto. E fecha os olhos... Ela é capaz de carregar em si aquela brisa fresca que nos acolhe num dia de calor. Mas também sabe ser aquela ventania que leva todas as folhas secas embora. Ela vê beleza em pequenas coisas, em tudo que participa. Um raio de sol a inspira, como o luar também. O orvalho, a tempestade: quem faz seu dia bonito é sua energia própria. Ela tem luz. Luz que irradia e ilumina. Ela faz qualquer ambiente mais feliz. E quando está triste, ela consegue suspirar e encher o pulmão de esperança até quando este está raso por alguma dor. Ela chora, chora sempre. Porque a emoção é sempre maior. E ela extravasa em um líquido salgado e quente. Combinação tão interessante quanto a intensidade do seu sofrer. Ela já viveu tristezas. Tristezas gigantes devido ao seu envolvimento com tudo. Ela já viveu tristezas alheias. Mas a diferença, é que nela, as marcas são como degraus: servem para alcançar patamar de conhecimento. São cicatrizes bem fechadas, quase invisíveis. Ela dança... dança sozinha, dança livre... Ela tem tanta graça em si: quando caminha é como se dançasse para o mundo. E as pessoas percebem quando ela passa. Canta também. Onde pode. Sempre que pode e tem vontade. Mas a ela, encanta ver aos outros cantar: ela sabe que quando alguém canta é porque a felicidade está plena, e ela se sente feliz também. Em sua alma vivem fadas: fadas que voam libertas quando ela dá aquele seu grande sorriso. Quando gargalha, ela exorciza todos seus medos, e fica nova como que renascida. Ela fala com plantas. Conversa com animais. E eles respondem: conseguem entender a alegria que existe dentro dela. Ela consegue voar, em seus sonhos e nos dos outros, com a mesma facilidade que mantém os pés no chão quando é necessário. Ela é forte dentro de toda fragilidade feminina: ela é pau pra toda obra. Ela aceita desafios. Ela participa. Se precisar, ela te puxa. Se precisar, ela te alcança: se você bobear ela te passa. Ela sabe renascer, refazer histórias, recomeçar de qualquer ponto. Está sempre pronta para escrever um novo livro. Ela é encantadora na forma de falar. É flexível. Ela é sensível e charmosa. Ao mesmo tempo, debochada e de opinião firme. Sensata e sensitiva. Ela ri da própria desgraça. E toca em frente. Pensa rápido e tem todas as respostas. Ela é sabia, mas não se considera: está em busca de conhecimento vorazmente. Ela tem monstros e luta contra eles, com ânsia de quem compete contra a vida, contra o tempo: porque ela não pode perder tempo de jeito algum. Ela tem muito de diferente. Ela é única e exclusiva, porque tem todas as mulheres em uma mulher só.

terça-feira, 25 de março de 2014

Somos todos iguais

Quando se olha de fora para dentro da vida dos outros, tudo parece tão bem resolvido.
A impressão que temos é de que na vida das outras pessoas as coisas se revolvem melhor, com outras fórmulas, ou melhor, com fórmulas que não possuímos.
Nos parece que aos outros as tristezas são menos doloridas, as doenças menos sofridas, a infelicidade mais passageira, a alegria mais tenra, o sucesso sempre a postos.

Não sabemos quais são as lutas dos outros seres humanos. Não sabemos quantas lágrimas rolam escondidas embaixo do dinheiro, sorrisos e teto dos outros.

Todos nós travamos batalhas diárias, afinal, não somos celestiais.
E somente no nosso silêncio, conseguimos perceber quem somos. Quando se está deitado, cabeça no travesseiro, olhos cerrados e monstros adormecidos: nesta hora, você sabe o que quer, de verdade. É nessa hora que a criança interna grita a sua grande vontade e você escuta com um eco infinito.
Nesta hora, somos todos iguais. Todos em pensamentos nus, despidos de nossos pudores, sozinhos em nossas guerras privadas.

Nesta hora, poderíamos parar com aquele egoísmo inato, deixar o umbiguismo de lado e lembrar que ao outro, aquele em que a grama parece mais verde, que a vida parece mais bela, os problemas parecem diminutos... Esse outro, nesta mesma hora, sente- se tão impotente quanto você. E como você, muitas vezes, faz força sobrenatural para abrir os olhos e enfrentar o mundo, que tantas vezes apresenta mais alegria do você tem em si.

Somos todos iguais. Em carnes diferentes.

sábado, 22 de março de 2014

Dane-se a exata

A gente precisa ter motivos e razões para todas as ações.

Na verdade, o que a gente gosta é de uma boa desculpa para qualquer coisa.
Desculpa pra não aceitar,
Desculpa pra não sofrer,
Desculpa pra não enfrentar,
Desculpa pra não errar,
Desculpa por não viver.
E só não percebe, que tudo que dá errado de cara, um dia faz sentido, e faz parte da melhor parte que a gente tem.
A gente tem cicatrizes, porque tem história. E só pode ter memória, quem se permitiu viver tudo que fez o coração vibrar.

O que a gente não pode é querer correr atrás de um tempo que deixou passar. Tudo têm seu momento.
Aquele momento em que a barriga tem borboletas, é esse o momento.
Não adianta querer deixar morno para não se queimar.
O que tem de melhor na vida, contém temperaturas e sensações que vão do verão mais rigoroso ao inverno mais rígido.
(Complexas interações que a biologia explica).

Quando a gente deixa a "coisa" amansar, ela deixa de ter sentido. Deixa de ser vida, e passa a ser cálculo.

Apesar da matemática ser uma parte importante da vida, para o melhor dela, não existe equação.
Logo: danem- se os logaritmos, números inteiros, raízes quadradas e as subtrações.


Não há sensação melhor que deixar a exata de lado e viver a humana.



Edição: Marceli Fernandes Lazari

sexta-feira, 21 de março de 2014

Pessoas que fazem sua história

Já percebeu que algumas pessoas causam um alvoroço na gente?


Podem ter beleza ou não. Mas têm algo muito belo, que você identifica imediatamente.
Essas pessoas falam abertamente à você, mesmo assim, têm algum mistério que te aguça os sentidos.
Elas têm sorriso aberto, mas você sabe que dentro de alguma caixinha, elas têm segredos tristes. 
Elas têm olhar sincero, conectados com a alma. Mas o encanto não é esse. O encanto é que podem olhar mais dentro de você, do que você imagina.
Elas te olham igualmente. E te fazem sentir pessoa interessante. Essas pessoas, fazem da sua história a história mais importante.
Essas pessoas têm qualquer coisa que você gostaria de ter: linguagem escancarada, postura firme, ideias ou ideais. 
Elas te somam: você fica mais inteligente perto delas.
Elas te fazem pensar. Te fazem refletir. Elas, literalmente, te chacoalham por dentro.

São pessoas especiais. Sabe-se-lá-Deus-porquê, mas são. São aquelas que você não pode deixar passar. Não pode cometer o vacilo de qualquer sentimento ou experiência anterior te boicotar. 
Com essas pessoas você se joga no mundo e vive momentos que entram pro melhor da sua história.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Guias pintadas

Queria muito poder te desejar parabéns.
Queria também te chamar de cidade querida, e dizer do orgulho que tenho em ser sua filha.
Mas eu não posso... 
Não posso porque com o passar dos anos, tenho visto você degradar, Ribeirão. 
Vi você crescer, e ficar populosa de forma desordenada.
Vi tantas pessoas chegarem e te ocuparem sem terem o mínimo de carinho por você. Também vi você ser governada tantas vezes pelos mesmos, e tão poucas mudanças em tantos governos repetidos.
Vi um pequeno centro de cidade perder um morro (retiraram uma montanha!) para sua expansão. As ruas se transformaram, os carros as ocupam, as pessoas se amontoam.
Gostaria de dizer Ribeirão, das vantagens de se morar em uma cidade pequena, com aspectos de cidade interiorana, tão próxima de uma capital.
Gostaria de ter orgulho de criar meus filhos aqui, com o sossego que vivi em minha infância. Com a porta de casa quase sempre aberta, os vizinhos entrando e saindo, nós todos brincando na rua.
Gostaria de não ter preocupação com a segurança do meu lar, como já foi um dia. Nem me preocupar em virar estatística com meu carro estacionado nos pontos onde já ficou "normal" ser roubado.
Gostaria que meus filhos pudessem andar a pé, como fiz tantas vezes, sabendo que teria segurança pública para cuidar deles.
Adoraria passar pela estação de trem, linda e culturalmente rica, cheia de histórias, e poder pensar apenas em quantas vidas aqueles trilhos já carregaram, e não precisar me preocupar em desviar de ambulantes que ocupam aquele espaço, invadindo meus ouvidos com gritos e buzinas.
Gostaria de passear pela Rua do Comércio, sem aqueles cheiros de ervas medicinais, com calçada limpa, sem sons de açougues anunciando preços baixos com piadas inadequadas e músicas de mau gosto.
Gostaria de poder usufruir daquele espaço tão colonial que já foi a Vila do Doce, com seus sobradinhos coloridos e apenas me sentir grata em ter charme na nossa cidade, ao invés de perceber que nem o chão é lavado, ou consertado, e ainda, perceber que tal espaço voltado para a alimentação, tantos comerciantes fazem o horário que querem e se mantém fechados, pasmem, em pleno horário de almoço.
Gostaria de ver as pessoas andando nas faixas, respeitando sinais, respeitando ao próximo. Mas só vejo gente impaciente, atravessando no meio da rua, mesmo que tenha uma faixa a cinco metros dali.
Queria, crescendo em uma cidade com tanto verde, tanto território, ter um espaço para passear com minha família, onde pessoas pudessem ler seus livros, andar de bicicleta, correr... E não depender de outras cidades para ter este tipo de lazer.
Queria ver seus muros sem estarem pichados, sendo zelados pela população jovem que seria orgulhosa de você, Ribeirão.
Adoraria saber que nossos músicos e artesãos teriam um espaço para divulgar seus trabalhos. São tantos artistas em uma só cidade... Seria fácil torná-la alvo para novo comércio, com feiras artesanais, apresentações, musicais e peças.

Porém, Ribeirão, no dia do seu aniversário, eu só posso lamentar.
Lamentar pelo mato que ocupa suas ruas, calçadas e terrenos. Lamentar pelo descaso em seu cuidado.
Lamentar pela insegurança e rotina que isso já se tornou.
Lamentar pelos excelentes profissionais que você tem e que permanecem inativos por falta de incentivo.
Lamentar pela sua desordem, pelo povo que te ocupa.
Lamentar por não ter orgulho de você, como já tive um dia.

Eu queria mesmo, era ter motivo para comemorar suas guias pintadas para essa data.

segunda-feira, 17 de março de 2014

Colchão de molas


Mas que porra é essa que você acha que faz na cama, Geraldo?
Eu não sei o que faz. Nem tem nome o que você faz.
Já faz tempo, eu dormia com alguém. Agora, eu só queria poder dormir.
Cama de merda, com estrado estragado e molas velhas. Eu disse que eu não queria colchão de molas, Geraldo! Mas você insistiu: é ensacado, não vai estragar...
Como assim, não vai estragar? 
Pode até ser que não estrague mesmo, se for usado para dormir com gente de peso decente em cima, e não com um troglodita que não enxerga mais o joelho.
Talvez até a porra da mola ensacada não rangesse, se o colchão tivesse sido trocado quanto expirou o tempo de garantia dele, de dez anos de uso. Tempo que já passou mais doze. 
Você reclama de tudo, Geraldo. De tudo. E reclama de tudo, como se tudo fosse culpa minha. Mas, Geraldo! A porra do colchão não é. Foi  você quem escolheu e bateu o pé.
Eu te peço para comprar um novo já faz anos, mas você insiste em dizer que ele está bom. Está bom pra alguém como você, né Geraldo? Que tem um colchão próprio amarrado na cintura, e pode dormir até sobre uma pedra.
Está bom, porque você gasta em cerveja o pouco dinheiro que eu consigo economizar, que serviria pra comprar um colchão novo.
Está bom pra você, que chega quase sempre com aquele hálito de cevada amargo. E deita onde estiver, como estiver. E ronca parecendo um animal gritando quando é abatido.
Nessa porra desta cama, eu vivo meus piores momentos, Geraldo. Ou melhor, eu morro os meus dias Geraldo.
Nessa merda desta cama nojenta, eu passo as noite acordada e com frio, porque você me sabota em todos os detalhes, Geraldo.
Você reclama que eu tenho o pé gelado, mas não me deixa usar meias. Reclama se eu me deito de pijama, reclama se eu me mexo, reclama se eu puxo o cobertor. 
Você já pensou o que você quer na cama, Geraldo? Porque sexo, já faz tempo que eu não tenho. Você até faz... Faz qualquer coisa dentro de mim, que eu já nem sei mais o que é. Você se remexe, geme alto, parece um ogro. Balança toda a cama, que bate na parede, que range as molas. Você se estremece em cima de mim, fica ofegante e para num repente, como se estivesse morto. Vira a barriga pra cima, e começa a roncar. Ronco que assustaria até um outro porco da mesma espécie que a sua. Ronca, range, rosna. E reclama que eu não posso pôr  uma meia no pé, Geraldo? Não quer pijama, não quer meias, não me deixa o cobertor... O que sobrou da cama pra mim, Geraldo? Olhar pro teto e esperar, entre um ronco e outro seu, se Deus já fez o favor de te tirar daqui. Porque é o que espero que aconteça quando você está dormindo. Enquanto você dorme, Geraldo, esse sono perturbador seu, eu rezo. Rezo, para que em uma das paradas suas, sua morte tenha chegado. Parece que você ronca, morre e acorda. Ronca, morre e renasce... Mas nada de Deus querer tirar você daqui e me deixar em paz com minhas meias quentes, e meu pijama de malha. 
Porque, Geraldo, você pode ter certeza... Quando Deus me fizer este favor, já de antemão eu te autorizo a vir puxar meu pé. Mas já vou avisando: não será esse pé gelado, de uma mulher frigida, da coluna endurecida, de corpo frio.
Ele estará quentinho, com uma meia felpuda, numa cama novinha. Que será a primeira coisa que eu comprarei quando você morrer, Geraldo. Um colchão sem ranger, sem mola, sem estrado quebrado, sem cabelo do seu peito, sem suor de cerveja, sem resto de porra. Uma cama com porra nenhuma, Geraldo. Só com um cobertor todo meu.

*texto produzido para a peça "Casa de Retalhos" de Marcio Azevedo.

sábado, 15 de março de 2014

Melhor seria um adeus



O dia que aquele telefone tocou, eu já sabia.
Sabia que ouviria sua voz com uma vibração que eu desconhecia.
E no tom, em uma só palavra, eu entendi tudo: era um fim.
Você gaguejou palavras desencontradas. 
Você foi incapaz de formular uma frase inteira com sentido completo.
Você murmurou, depois retificou. Depois prometeu, depois desmentiu.
Mas na hora que desligou, na hora que disse: "Mais tarde eu te ligo", foi muito mais que um adeus.
Porque, no adeus, a gente escuta quem vai embora.
Em um adeus, a gente também se despede.
Em um adeus, vão embora chances, mas também ficam certezas.
A falta de um adeus, eu penso, é o que dói mais.
Você sair de mansinho, de escanteio, à francesa ou qualquer nome que para  isso exista... Com essa reticência gigante, reticência de infinitos pontos...
Foi tão covarde, foi tão incoerente.
Junto com a falta de um adeus, vieram inúmeros toques de telefone e em maior número, palpitar de coração.
Tanta frustração ao olhar para uma tela e não enxergar seu nome lá.
E com esta frustração, o ponteiro do relógio que se arrastou. Em um segundo, morou tanta hora, que poeta nenhum consegue descrever.
Em tanta hora imaginária: hora que não preenche, hora que não cicatriza.
Em tanto compasso torto, tanto pensamento solto. Tanta monotonia exata, tanta dor completa.
E de toques, segundos, ponteiros, dúvidas, soluços, surgiram outras certezas, e com elas, cicatrizes.
Certeza de que o que dói, de fato, é a falta de um adeus:
Falta de uma frase completa.
Falta de poder olhar o olhar mais lindo, das palavras mais assertivas, falta dos sonhos quase nem imaginados.

Um adeus põe um ponto.
A falta do seu adeus pôs um buraco.

*poema produzido para a peça "Casa de Retalhos" de Marcio Azevedo

quarta-feira, 12 de março de 2014

Promessa



Hoje, não sigo religião alguma.
Mas acredito em todas. Em todas que são base para o homem encontrar uma  Força Maior. 
Acredito em energia. Acredito em retorno de boas ações. 
E por acreditar em retorno de boas ações, me dei ao despeito de fazer um pedido ao Universo.

História 1:
Uma vez, há muito tempo, uma colega querida (queridíssima) foi à uma igrejinha em Arona (Itália), e depois de lá estar, me contou que ao entrar na igreja, ela só pensava em mim. Disse ser sensitiva, e me orientou em alguns comportamentos. Em uma das orientações, ela me disse: quando você precisar de alguma coisa, jejue! Nada mais poderoso que um jejum!

História 2:
Estou eu triste. Muito triste. Pós pior acontecimento conjunto de minha vida. E estou trabalhando, rumo à Itália, com outra querida colega, que tem marido judeu. E ela me conta: em seu retorno, prepararia tudo para um dos dias mais importantes do calendário judaico: Yôm Kipur. Dia de introspecção. Dia do perdão. Onde o judeu fica 24 horas em jejum total, e ela, por respeito, acompanharia o marido.

História 3:
Cheguei em Arona, e quando dei por mim estava frente à pequena capela católica construída a Santa Ana. Lembrei da Lilian (história 1) e entrei. Ao entrar, fui domada por lágrimas. E fiquei lá, ajoelhada até aquela sensação passar. Um misto de emoção e auto piedade (sei que é feio, mas é verdade). Chorei muito,  muito, até que comecei minha oração.
Lembrei da Lilian e do jejum mencionado. Lembrei da Denise (história 2) e do Yôm Kipur. Lembrei que, sempre que pedimos alguma coisa, precisamos entregar outra. 

E com todas as minhas forças, com toda minha fé: fiz um pedido. E uma promessa.
 Prometi ficar sem comer açúcar refinado (e tudo que contém açúcar, até mesmo os salgados) por seis meses. E ainda prometi que o faria para mostrar ao Universo (e aos seus Regentes) quanto eu queria aquilo que eu pedia. 'Eu faço daqui e vocês fazem daí', pensei. 
Pedi com força. Com necessidade de quem não tem mais de onde tirar energias.

Pode parecer besteira, mas este foi o ultimo dia que fiquei triste ao extremo. O ultimo dia que pensei uma grande besteira.
O ultimo dia que quase desisti. A partir deste dia, meu coração foi abrandado, talvez pela certeza que criei em saber que seria correspondida no pedido que fiz. 

Hoje, é o dia. Hoje faz seis meses que parei completamente com o açúcar. Confesso que sofri nos dois primeiros. Teve um dia que eu até chorei, por causa de coloridas jujubas, ridiculamente, eu chorei...

Você deve estar curioso. Ela foi atendida? Seu desejo se realizou?
A resposta é Não.
Não fui atendida e meu desejo não chegou nem perto. Não tenho expectativa alguma, nem um cisco, nem um pouco. Nem uma faísca.
Até agora: nada. 

Ás vezes, entristeço. Ás vezes, tenho ainda mais fé. Meu sentimento oscila. Mas eu continuo esperando... E só quem já esperou alguma coisa que quer demais, sabe quanto tempo tem dentro do tempo em si. Parece que mais que o dobro.
Porém, eu ainda espero.

Só tenho um pouco de medo do tempo: porque das poucas coisas que eu já sei, com certeza, é que o tempo e a distância mudam tudo. E se com o passar do tempo, eu deixar esse sonho para trás,  é sinal de que eu mudei demais. Ou que meu sonho ficou distante. Ou que me tornei impotente... Ou... Que cansei...

Enquanto isso, outras certezas:
Dá para viver sem açúcar. E isso não significa que a vida não tem doce. O paladar da gente muda. E outras sensações são sentidas com maior prazer. A impressão que eu tenho é de que o açúcar adormece o paladar , e os outros adocicados ficam sem sabor.
Após esse tempo todo, já é possível saborear outros gostos com mais ênfase.

Outra certeza: eu sou capaz de cumprir mais metas do que imaginava. Muitos ao meu lado se espantaram com o que abri mão. Todos diziam: "nossa! Eu não conseguiria!". É... Mas a verdade é que eu também não sabia se conseguiria. 
E mais: mais difícil que tirar o açúcar da minha vida, foi mudar o hábito que tinha. Nossa! Quanto doce eu consumia sem perceber!

Emagreci dois quilos e meio nestes seis meses. Pode parecer pouco, mas, para quem me conhece de perto, sabe que a minha luta, dieta e exercícios, são para o ganho de peso (principalmente depois de ter sido anoréxica). Mesmo aumentando as refeições em vezes e quantidade, para justamente não perder peso: não teve jeito... Esses dois quilos se foram.

Enfim: a vida continua. E eu sigo nela. Hoje é o ultimo dia da promessa.
Não preciso mais recusar ao açúcar. Não preciso mais dizer "não como nada com açúcar". Não preciso mais ver os olhinhos arregalados das pessoas quando menciono isso.
Mas a verdade é que eu não sei. Não sei se continuarei sem. Não sei se consumirei com moderação. Nao sei.

Só sei que a vida é muito mais doce quando estamos felizes. E não é o açúcar o responsável por  isso. São nossos sonhos realizados.

segunda-feira, 10 de março de 2014

sábado, 8 de março de 2014

Dia internacional é uma ova.



Simone De Beauvoir

Eu não gosto nada desta história de Dia Internacional da Mulher. 
Aliás, não gosto de datas que sejam usadas comercialmente para convencer a um público suas necessidades ou que sejam politicamente corretas a ponto de minimizar qualquer desventura que um grupo tenha sentido.

Segregar, agrupar, elitizar, desmembrar um gênero são todas forma de selecionar um grupo e colocar diferenças entre eles de forma explícita.

Mulheres e homens são diferentes desde seus primeiros cromossomos. Isso é fato. 
Mas, na minha opinião, um dia específico para homenagear a mulher  é tão preconceituoso quanto cotas em instituições de ensino.

Valorizar quem está ao nosso lado, esse sim é o ponto. E isso independe de sexo, cor, raça, crença.
Observar as necessidades de quem nos acompanha: cuidar, zelar, apaziguar, são todas as ações necessárias em uma rotina, seja do homem, seja da mulher. 

Independente do sexo que nascemos, hoje, existe a necessidade de todos os membros da família produzirem o provento para o lar. E, preconceituosamente, a organização do lar está incumbida para a mulher: outra coisa que não entendo, sendo o homem tão ou mais habilidoso que a mulher em múltiplas tarefas, com o adendo de terem um ritmo menos frenético e serem menos impulsivos (ainda falando de diferenças cromossomáticas).

E quem ama, quem ama de verdade, colabora, organiza, considera as dificuldades do outro. Quem ama, agrega ao seu núcleo o espírito de equipe, onde nem um nem outro se sobrecarregam.

Se tiver respeito em um núcleo, as tarefas serão divididas igualmente, sem que mulher ou homem sejam sobrecarregados. Hoje em dia, quase estão extintas as funções exclusivas de homem ou de mulher. Tudo é possível conquistar. Profissionalmente ou no lar. Para aprender, basta querer e sexo já não é mais quesito divisor de águas há tempos (teoricamente).


Bom, com este texto, eu não mudo o mundo. Na verdade, como eu mesma já sei, só mudo o que estiver dentro de mim. De repente, com minha ações, possa instruir também aos meus filhos. 

Mas o desabado é certo:

Faço meu papel porque sou responsável e não por ser mulher.
Dia internacional nada. 
Quero ver no dia a dia, dar valor a quem faz tudo (programa, prepara, ama, faz acontecer) com dor ou sem dor. Seja a mulher ou seja o homem.
Desculpem-me, mas sabemos que não é todo mundo que valoriza. E que tem muita gente que se deleita sobre a diferença de gêneros sim e ainda manda texto bonito e flor em um único dia, achando que está sendo gentil.
Menos hipocrisia. Mais valor, por favor.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Pingos nos is


Bom, vamos lá.
Esta leitura serve para você. De qualquer forma e em qualquer momento, servirá para você.

Leia com o coração e a mente abertos. Com o seguinte e velho ditado: se a carapuça servir....
Leve em consideração que a verdade dói. E ainda, a única pessoa que você, de fato, é capaz de modificar, é a você mesmo.

Premissa maior (e não é nada de minha autoria): Tudo que acontece com você é porque você permitiu. 
De um jeito ou de outro. As consequências dos fatos são anteriormente concessões de nossas atitudes. Logo, pare de achar um culpado. Encontre onde você errou. E evite errar novamente, ao menos, tente. Esqueça aquela história de quem erra duas vezes é burrice. Não é não. A gente tem a mania besta de acreditar que pessoas agirão de forma diferente. Mais uma vez: a culpa não é deles, é nossa. E errar duas, dez, trinta, quantas vezes forem, para realmente aprender, é sempre válido. Desde que a cicatriz não atrapalhe outras conquistas suas.

Segunda premissa: você não precisa encontrar o motivo da sua culpa. O que você precisa é encontrar o porquê do seu erro.

Terceira premissa: só existe culpa com sua própria permissão. Mais uma vez... qualquer apontamento exterior não é nada, se você não o engrandecer. Ao final do dia, a cabeça que você coloca no travesseiro é a mesma que você carrega pela vida. Minimize seus pensamentos.

Quarta premissa: não existe necessidade de ouvir mais críticas do que seus próprios monstros. Isole-se, se necessário. E faça atividades das quais você sente prazer, nem que seja forçosamente, a princípio. Em algum momento, seu corpo liberará endorfina, o que minimiza o efeito de qualquer outro hormônio que te perturbe. Obrigue-se, force-se a sentir prazer... isto também é um exercício.

Quinta premissa: já que o responsável por qualquer desventura em sua vida é você mesmo, pare de jogar motivos para o mundo ser pior. Toda contribuição é válida. Resmungue menos, reclame menos, chegue no horário, cumpra com seus compromissos e seja cordial. Nem sempre ter razão resolve o problema que te cerca, às vezes, você só precisa ser gentil e isso também pode ser treinado.

Por último, e não menos importante... como conselho mesmo: ouça as suas palavras, reveja seus conceitos, leia sua expressão corporal. Ouça mais, retruque menos. A maturidade tem esse itens. E é possível ser maduro com um corpo ainda jovem. Maturidade adquire-se com independência de ideias, porém com sabedoria de atitudes. 
Viva o mundo dos outros, coloque-se no lugar deles. As pessoas também se esforçam para estar do seu lado. Todo mundo é difícil de conviver o tempo todo. Ninguém é 100% em todos os quesitos. Pegue leve.

Aproveite as oportunidades para ser feliz (ás vezes, elas ficam escassas). E abuse de toda inspiração que tiver. Pro bom leitor, o i não precisa de pingo. 

Se você é a pessoa que foi embora, deve ser a primeira a entender a ausência de quem ficou.

terça-feira, 4 de março de 2014

Retalhos



E quem nunca pegou uma peça de roupa que não era sua e a vestiu, mesmo o modelo sendo antigo, mesmo estando puída?
Quem nunca pegou uma peça que já foi de alguém e pensou em algum momento: se eu consertar, parecerá nova?
Quem nunca pegou um pedaço apenas (que seja) de pano, e viu nele todas as possibilidades, sendo visionário e inovador, e nele colocou todas as esperanças de renovação?
Quem nunca pensou que costurando um botão, remendando um pedaço, adicionando uma tira, acrescentando uma renda, aquela peça se renovaria e, enfim, lhe serviria?

Da mesma forma, ao contrário, quem é que já não foi a peça que substituiu aquela que o outro não tem mais?
Quem nunca entrou no lugar daquilo que não servia e havia sido jogado fora?
Quem ja não foi tingido com outras cores, para ser reaproveitado?
Quem já não foi remendado e recosturado, alinhavado, com moldes antigos, com antigas medidas que não lhe pertenciam?
Quem nunca foi cerzido, emendado ou remodelado?
 


Quem nunca foi feito em pedaços, depois de não servir mais, e virou apenas retalhos?





*poema produzido para a peça "Casa de Retalhos" de Marcio Azevedo