sábado, 15 de março de 2014

Melhor seria um adeus



O dia que aquele telefone tocou, eu já sabia.
Sabia que ouviria sua voz com uma vibração que eu desconhecia.
E no tom, em uma só palavra, eu entendi tudo: era um fim.
Você gaguejou palavras desencontradas. 
Você foi incapaz de formular uma frase inteira com sentido completo.
Você murmurou, depois retificou. Depois prometeu, depois desmentiu.
Mas na hora que desligou, na hora que disse: "Mais tarde eu te ligo", foi muito mais que um adeus.
Porque, no adeus, a gente escuta quem vai embora.
Em um adeus, a gente também se despede.
Em um adeus, vão embora chances, mas também ficam certezas.
A falta de um adeus, eu penso, é o que dói mais.
Você sair de mansinho, de escanteio, à francesa ou qualquer nome que para  isso exista... Com essa reticência gigante, reticência de infinitos pontos...
Foi tão covarde, foi tão incoerente.
Junto com a falta de um adeus, vieram inúmeros toques de telefone e em maior número, palpitar de coração.
Tanta frustração ao olhar para uma tela e não enxergar seu nome lá.
E com esta frustração, o ponteiro do relógio que se arrastou. Em um segundo, morou tanta hora, que poeta nenhum consegue descrever.
Em tanta hora imaginária: hora que não preenche, hora que não cicatriza.
Em tanto compasso torto, tanto pensamento solto. Tanta monotonia exata, tanta dor completa.
E de toques, segundos, ponteiros, dúvidas, soluços, surgiram outras certezas, e com elas, cicatrizes.
Certeza de que o que dói, de fato, é a falta de um adeus:
Falta de uma frase completa.
Falta de poder olhar o olhar mais lindo, das palavras mais assertivas, falta dos sonhos quase nem imaginados.

Um adeus põe um ponto.
A falta do seu adeus pôs um buraco.

*poema produzido para a peça "Casa de Retalhos" de Marcio Azevedo

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