domingo, 20 de dezembro de 2015

Brit

Olhei para o frasco transparente contra a luz, em busca de algum líquido e constatei: não havia mais perfume.
Ainda assim, eu o borrifei  sobre a tatuagem, no pulso esquerdo. O que saiu foi misto de ar e fragrância pouca.
Senti o coração contrair em tamanho e disparar em velocidade desastrosa. Era como se um coração de passarinho ocupasse o espaço do meu e a velocidade e batidas diminutas foram sentidas em meu pescoço: aquele que não teria mais o borrifo do perfume.

Agora sim, estava tudo acabado.
A última gota, literalmente, havia saído daquele frasco que, até aquele momento, ainda guardava esperança.
Agora sim, não haveria mais lembrança.
Agora sim, um ciclo se fechara e o pouco que ainda existia, havia pairado em um ar saudoso, porém, fixo no pulso esquerdo.

Fechei a embalagem de vidro que possuiu 100ml. Conseguira, com muita economia, manter comigo o perfume comprado na avenida luxuosa de uma cidade francesa, há mais de ano e meio. Alternei com todos os perfumes possíveis (que não são tão meus quanto esse) para que, justamente, algum dia, ele pudesse ser sentido por quem a ele pertencia.
Mas agora, agora não há mais perfume.

Olhei para o espelho e constatei: absolutamente nada havia mudado nesse tempo todo de silêncio, com exceção das rugas que agora ocupam pele flácida. 
Pele que expressa o desencanto e o engano guardado em tantos dias.
Pele que envelheceu alguns anos em dois.

Me senti, mais uma vez, uma tola por acreditar em tanta palavra vaga de quem sabe muito sobre notas e pouquíssimo sobre música.

Aproximei o rosto do espelho, e olhei dentro de mim.
Eu ainda estava lá.
Eu sabia que ainda estava lá.
Respirei fundo, peguei o frasco oco e o depositei no lixo. Não precisei jogar. 

Agora sim, estava tudo acabado.
O borrifo miserável do braço esquerdo sumirá em poucas horas.
E algum dia, com alguma sorte, esse sentimento estúpido também.


 * De vez em Contos - Livro

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