sábado, 12 de abril de 2014

Moleskine vermelho

Ela sobe ao sótão com impressão de já fazer errado. Por insistência de uma amiga, ela acata a sugestão de andar com um moleskine para escrever suas idéias.
"Por que você não compra um moleskine?" Disse a amiga. "Você precisa de um para se inspirar."
Mal sabia a amiga o quanto esta palavra se tornava latejante. O quanto ela mesma evitava pensar neles. Tinha vários. Vários novos, e todos ganhados com o mesmo propósito: "para quando surgir uma inspiração, você escreva. E ainda lembre de mim", foram as palavras ouvidas.
Todos eles guardados em uma caixa junto com o restante da memória que se fazia presente, mas que ela luta insistentemente para esquecer.
Junto aos cadernos, outras lembranças, outros presentes. Papéis, fotos, cartas. Todos carinhosamente guardados em uma caixa comprada só para este fim: ocultar todas as lembranças que deveriam ser apagadas.
Caixa azul, com flores. Do tamanho exato para que aqueles pertences deixassem de estar ao alcance dos olhos, mesmo sendo latentes no coração. Guardados na ultima gaveta, da ultima prateleira, do sótão empoeirado... Assim como ela queria que se fizesse presente em seu coração.
A contragosto, pensava a cada passo que dava, que poderia ser aquela uma prova de que tudo foi embora. Que poderia, finalmente, recomeçar. Não se sentia pronta, mas sentia-se apta. Fator importante para todo início de nova jornada.
Já de cara, acender as luzes daquele ambiente esquecido, lhe fez clarear a memória de tantos outros momentos. E com palpitação descompassada, abriu a tal gaveta, retirou o caixa azul com flores e a abriu.
De dentro dela, saíram grandes mariposas negras imaginárias, cada qual carregando uma lembrança... Bateram asas pesadas, doloridas e esta revoada tomou conta de todo o ambiente.
Pegou o moleskine vermelho, do tamanho de sua bolsa. Fechou a caixa rápido, como que para evitar que outras mariposas escapassem.
Apagou a luz e Desceu as escadas com velocidade perigosa para tal fragilidade dos seus joelhos bambos.
Sentou-se na varanda, em sua cadeira de balanço. Escolheu ambiente arejado porque precisava de mais ar em seus pulmões.
Apoiou o caderno nas pernas.
Alisou sua capa. Ficou com medo de abrir.
Depois de alguns minutos ali, olhando para o nada, enquanto tudo aconteceu em flashes. Retalhos de momentos vividos tão lindos, e de tanta dor sofrida após um abandono sutil.
Com a velha caneta mordida, rasurou uma frase. A primeira que veio em sua cabeça. Desistiu e a riscou.
Ficou por mais algum tempo, ouvindo o ranger da palha da cadeira, barulho que, talvez, espantasse as tais mariposas que circulavam ali.
Após suspiro raso, começou a escrever lindas palavras, cheias de confiança e percebeu, de início: perdera a habilidade de escrever. Não pela criatividade, mas pelo hábito de escrever em si.
Lembrou que não escreve mais cartas.
Percebeu que não recebe mais cartas.
E escreveu algumas páginas recriminando mentalmente os garranchos que se tornaram sua letra.
Escreveu sobre a vida. Escreveu sobre conquista. Escreveu sobre solidão.
Detestou o fim daquele texto, arrependeu-se do tempo perdido, porque crê que não é possível perder tempo com mais nada, já foi o tempo para isso.
Cruzou estas páginas, com linhas transversais, significando que anulava o que havia escrito.
Fechou o moleskine e dirigiu- se ao computador.
Ali, digitando, teria outra velocidade, teria outras idéias. E teria o principal, vontade para sua vida: poderia apertar uma só tecla, apagar tudo e recomeçar.



De vez em Contos

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