quinta-feira, 17 de abril de 2014

A alforria de Olívia

Olívia, senta aqui.
Por favor, Olivia. Estou te pedindo alguns minutos só, depois você volta a fazer suas coisas.
Não, não vou demorar. Se você deixar eu começar a falar, eu termino rápido.
Calma, eu sei dos seus compromissos, por isso mesmo estou te pedindo para parar só por alguns minutos e eu te libero.
É sobre você ser livre mesmo que eu quero falar, Olivia. Estou te libertando agora.
A partir de hoje, sinta-se liberta destas correntes que você faz questão de arrastar. Estou te dando a sua carta de alforria.
Como não está entendendo? Espera. Fala baixo, Olívia. O prédio inteiro não tem que ouvir você.
A partir de agora, saiba que eu não sou mais seu marido. Eu já não sou seu marido faz tempo, mas, para mim, já deu todo esse teatro que nossa vida foi nestes últimos vinte e tantos anos.
Chega de fingir que a vida é linda e perfeita, Olívia. Ninguém está ligando se você é feliz ou não. As pessoas vivem as vidas delas e você não tem que mostrar nada pra ninguém.
Ei, espera aí, deixa eu terminar. Não estou te abandonando, nada! Fica quieta, Olívia! A empregada já colocou a cabeça ali na porta por causa dos seus gritos.
Você continuará tento todas as mordomias que meu dinheiro compra pra você, não se preocupe. Continua com empregada, carro importado.
Pode pegar sua metade, ela já está toda separada. Eu não tenho porque querer roubar você. Pode levar.
Para de gritar e me deixa falar. Faz anos que você não escuta o que eu tenho p dizer, pelo menos permita que eu fale agora.
Não, não tenho outra mulher, Olivia. E se eu tivesse, faria diferença? Você não acha até que você permitiu que eu tivesse? Porque você já não é mulher para mim faz tempo: me esgota em todas as possibilidades. Me impede de ser homem para você e para qualquer uma, enfatizando meus defeitos e me chamando de impotente. Eu não sou impotente, Olivia! Nem no meu pau e nem em nada que faço! É só você quem me limita e me impede de ter tesão pela vida.
E outra, como você poderia saber?
Faz anos que você nem me vê nu, não é?
E o que você pensa que eu sinto? Acha que eu estou feliz?
Você reclama de tudo que eu faço. Você reclama se eu estou junto. Reclama se estou ausente. Reclama do que eu não vejo. Reclama da mudança que eu percebi. Reclama das perguntas que faço. Reclama do meu silêncio. Reclama dos meus amigos. Reclama do meu trabalho.
Então, saiba Olivia: agora você não tem mais motivos para reclamar.
Como assim, e as crianças? Você se deu conta que você não tem mais crianças faz tempo? Cada um deles têm a sua vida. Deixe que eles vivam. Eles não precisam da gente junto. Eles já acharam seus pares.
Você está livre.

Livre para viver ou morrer do jeito que você quiser. Não precisa mais pôr tampões nos olhos ou ouvidos para não escutar a minha tv quando deitamos. Não precisa mais sentir o perfume que eu passei. Não precisa acordar com meu despertador. Não precisa fingir que me ama. Não precisa sorrir para mim na frente dos nossos amigos. Não precisa mais concordar só para ser conveniente. Não precisa de mais nada.
Só precisa ligar pro Dr Otávio quando essa sua crise histérica  passar. Eu já acertei tudo com ele. Ele vem até aqui para você assinar os papéis. Esta tudo certo, Olivia. Não precisa nem se mexer. Você fica aqui com sua casa, sua vida, seus empregados, seus carros, seus amigos flutuantes, seus compromissos vazios, seu descompromisso com a vida.
O contador te ajuda com as contas e você continua gastando e reclamando para quem você quiser agora, Olivia. Escolha outra pessoa para jogar seus lixos e sua vida vazia.
Para com essa cena. Levanta do chão. Que ataque cardíaco, que nada! Isso é chilique, Olivia. Respira fundo que passa.
Eu estou mudando de país. Volto pro dia do divórcio. E você faça o favor, por respeito a tudo que eu engoli de você, de estar lá no dia marcado.
Pode continuar chorando Olivia. Pode chorar, gritar e fazer o que você quiser.
Eu não tenho nada mais com isso.


De vez em Contos

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