quarta-feira, 11 de maio de 2016

Meus feios pés


Meus pés são feios.
Eu diria, no ápice da exigência, que são horrorosos. Mas na verdade, eles não são, não. Já vi pés muito mais feios que os meus, e bem dizendo a verdade, quem os deixou feios fui eu.
Ainda assim, hoje, não mais tenho vergonha dos meus pés. E olha que já tive muita: não andava de sandália aberta, tentei escondê-los. 

Fui bailarina por muitos anos. E para quem não conhece o Ballet, o que faz sustentar a dançarina sobre as pontas dos dedos, são as pontas em gesso de uma sapatilha. Agora imagine você, seus pés arcando com a responsabilidade do todo o seu peso, pelas pontas finais dos seus dedos, presos a uma touca de gesso.
Quando comecei a usar as tais sapatilhas de pontas, fui instruída a não usar ponteiras (mais uma vez para os leigos: ponteiras são proteções para cobrir os próprios dedos dos pés afim de diminuir a agressividade da abrasão com o gesso). Minha professora nos incentivou a apenas enfaixar cada dedo com esparadrapo e dá-lhe colocar os dedinhos para sofrer. A cada término de aula, era um esparadrapo arrancado, já com um pedaço do dedo junto, cheio de sangue. “Irá calejar e o dedo se acostuma", era a frase ouvida. O dedo caleja, de fato… mas nunca para de machucar, se você os força em exercício contínuo.

O ballet, em meu ponto de vista, é uma analogia da vida em tempo integral. 
A começar pelas horas de estudo. São muitas, e inúmeros movimentos repetitivos, para a tentativa de se chegar à perfeição… mas nem sempre é possível.
Existe disputa no ballet. Quem se dedica mais, se esforça mais, se sobressai… como qualquer outro movimento da vida laboral.
O trabalho em equipe é fundamental: é necessário ter coordenação, empatia e correção em um grupo inteiro para que um movimento seja sincronizado.
A confiança em um pas de deux (solo com um bailarino e uma bailarina) é imprescindível para que a dupla acerte seus movimentos. É importante sintonia, clareza, e apoio mútuo para que a dupla tenha êxito: exatamente como em uma relação a dois.
Um bailarino, quando está sobre o palco, executando movimentos leves e precisos, enquanto dança, faz uma força brutal em seus músculos, dedicou horas (muitas) para o espetáculo e tem um sorriso no semblante de quem domina toda a tensão do momento. Mas é bem provável que ele não seja compreendido em seu esforço integral por aquele que desconhece quanta dedicação existe naquela performance, e se, por desventura, errar algum passo, esse será motivo para um destaque do leigo que o assiste. Justamente o que apontarão aqueles que só criticam negativamente nossos atos falhos.

Insisto: o ballet clássico é uma imitação da vida. 
Treinamos, nos dedicamos, acertamos, erramos, enfaixamos e sangramos infinitas vezes. Mas sempre seremos julgados pelo conhecimento do outro, e não por nossa devoção.
Por mais que enfaixemos nossos dedos: repetir movimentos que abrasem nossa pele ou nossa alma, fará causar nova lesão… não há calejar que amortize desgaste novo.
Nossos calos são consequências da insistência de certos movimentos, em algum momento você deve decidir se não quer mais calos ou se não quer mais movimento: qualquer um dos dois fará você enrijecer.  
Independente de quantos calos você tiver nos pés, é importante ressaltar que eles te levam para os caminhos que você escolhe e seus pés obedecem ao seu coração ou à sua razão. É indispensável escolher um caminho.
Feios pés podem significar que você sente dor demais, os apertou demais, forçou demais, exigiu demais. Pés bonitos podem denotar que você empenhou-se de menos.

Meus pés são feios, eu confesso. E hoje, eu não mais os escondo. Eu sinto um orgulho danado deles. E sou grata: eles me levam, me sustentam, permitem que eu dance a dança da vida. E só se aquietam em lugares que meu coração serenar. 



3 comentários: