sábado, 2 de abril de 2016

No mundo das águas

Foi em um camping, em sua pouca idade, onde viu um lago para primeira vez.
Seus amigos todos queriam correr e saltar.
Todos eles nadavam, jogavam pedras.
Ele não.
Ele ia pra margem mais calma, ficava olhando para a água e observava os peixes.
Entendeu que onde havia silêncio, havia confiança. 
E foi no silêncio de uma beira de lago que aprendeu a olhar para dentro, mesmo vendo seu reflexo estremecido pela água agitada dos peixes que nadavam ali, sentia apenas calmaria.
Todas as vezes que podia, voltava para seu lugar. 
Apesar de tanta gente lá frequentar, ele elegeu o lugar só para si. Pelo menos, aquele canto à beira do lago, onde via muito mais que seu rosto na água. Achava o que queria para sempre dentro dele mesmo: a paz.

Mas o menino cresceu. E a cidade cresceu. 
E a cidade, a modernidade, a sociedade, todos eles o engoliram: mastigaram e deglutiram, como fazem com a maioria.
Trabalhou. Casou. Exaustou.
Sufocou. Cansou. Acabou.

Não nessa pressa, mas na ligeireza que o mundo louco atravessa nossas vidas. Como um trem de alta velocidade, onde dentro dele, com pés apoiados, você não percebe sua rapidez, porém quando olha para fora, percebe que está em outro lugar, em outro tempo, e com outra forma.

Agora homem, ele não pode mais fugir. 
Agora, ele é sensato, tem obrigações, tem aspirações. Deve cumprir com suas ordens, deve prestar contas, deve pagar dívidas. 
Mas mesmo assim, ele desobedece.
Quando em vez, ele desce desse trem maluco, e corre para dentro de si. 

Hoje, ele não elegeu só um canto do lago do antigo camping: ele tem o mundo das águas para si.
Hoje, ele vai para qualquer lugar, qualquer água: seja lagoa, rio ou mar. 
Se perde do mundo e encontra aquele menino que um dia já foi. E vai pescar.


*homenagem ao meu leitor de número 38.000

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