domingo, 17 de maio de 2015

Rebuliços de um lar tranquilo

Cheguei em casa, depois de um dia exaustivo. Naqueles dias que tudo que você quer é um bom banho, pijama e cama quentinha.
Mas a realidade não é exatamente a tranquilidade do lar.
Entrei e ao subir as escadas, ouvi a Mel chorando copiosamente. Chorava de soluçar.
Apressei o passo e a vi deitada no quarto, de bruços. Questionei o que aconteceu e ela me abraçou ainda chorando, contou. Tinha brigado com o irmão. E sentia profundamente por isso.
Conversamos, acalmou-se e eu continuei com o pretendido roteiro de apenas descansar.
Banho tomado e conversas em dia. 
Pretendia dormir e desejamos boa noite a todos.
As meninas foram pro quarto. Dividimos parede. Consigo ouví-las sempre, seja conversando, rindo ou discutindo.
Foi o que aconteceu.
A discussão foi aumentado, os tons alterando e era visível a indisposição das duas.
As chamei de volta pro meu quarto e pedi: Vamos conversar?
Elas me olharam com aquele olhar de quem não pode desaprovar o pedido de mãe, mas de quem não tinha a menor intenção de ouvir conversa chata, argumentos que para elas, naquele momento de discórdia, fariam sentido nenhum.
Eu afirmei: “Vocês não fazem ideia de como é bom ter irmão”. E uma delas respondeu: “Eu não acho”.
Invés de ordenar que parassem ou exigir qualquer comportamento, comecei a perguntar se lembravam sobre a época que a minha irmã tinha ficado doente. Elas mencionaram negativamente com a cabeça ainda suspirando fundo em reprovação à minha abordagem, com alguma impaciência.
Contei rápido sobre o medo que senti desde a certeza de tumor maligno, do quanto a família se esforçou em estar junto e do medo que sentia de poder aproveitar pouco a minha irmã, se aquele tratamento não tivesse resultado positivo. Comecei a me emocionar e as expressões delas começaram a alterar, de quem não queria ouvir nada para quem começa a entender algo.
Em seguida perguntei se lembravam da doença da Julia. E nem mesmo a própria Julia conseguia lembrar. Recordei que ela e o Léo brigavam feito cão e gato, e que mal conseguiam ficar juntos no mesmo ambiente.
Quando a Juju foi diagnosticada com doença que tinha levado embora seu amigo próximo, todos nós entramos em pânico. O Léo era novo, mas com esperteza suficiente para entender que o pior poderia acontecer também à irmã. Sua reação em nosso encontro após a Julia ser internada foi me abraçar e chorar. Ele soluçava em prantos e dizia “ Eu não quero que a Julia morra”.
Terminei a conversa, olhando sempre para elas, que neste momento, tinham os olhos marejados, com as lágrimas prestes a cair e pedi para que se olhassem. Não exigi abraço ou que pedissem desculpas. Apenas apontei: “Vejam como estão emocionadas. Isso se chama amor. E sentimos isso uns pelos outros todo o tempo, mesmo que a convivência e nossos defeitos, às vezes, ocultem isso.”
Demos um abraço longo e elas foram dormir. Não ouvi nada mais do quarto ao lado.


Mas dentro de mim, minhas verdades começaram a eclodir.
O barulho interno era avaliação sobre o quanto somos capazes de amar, o quanto queremos bem à outro e tão pouco deixamos isso claro.
Questionei-me sobre as pessoas que quero bem, e  quero próximas, e se elas têm certeza sobre esse meu sentimento.
A única certeza que tive é que ocultamos muitas vezes palavras boas, e boas intenções, presos aos nossos dogmas ou as escondemos em nossa casca natural, de quem envelhece e se cansa de tanto apanhar.
A verdade é que todo convívio enfraquece bons hábitos, como falar sobre amor e entregar carinho constante, porque ficamos presos ao ignorante comodismo de achar que o outro sabe que o queremos bem.
Não é bem assim: o calor enfraquece, a dúvida assola e o coração vacila no seu primário habito de aquecer a alma, se não se falar de amor.
Amor é incentivo diário, que se rega com carinho, palavra, gesto. E que enfraquece, mesmo aquele cheio dele, se não for adubado constantemente. E que não deve nunca ser entendido pelo medo da perda, mas pela consciência exata de que deve ser mantido aquecido pelo seu contínuo uso. Seja pelo parente próximo, pelo amigo, pelo companheiro.
Que para o amor não se pode ter preguiça ou egoísmo. 
E que um lar tranquilo requer alvoroço constante sobre nosso comportamento e como nos deixamos (ou se nos deixamos) entender.
E que nossa maior falha, talvez seja, exatamente, querer deitar-se em cama quente, pijama limpo, consciência tranquila, mas coração não transbordado (e extravasado) de amor. 



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