terça-feira, 10 de março de 2015

Abissal privado

Minha filha Mel, no auge da sabedoria dos seus 9 anos, me chama de canto e diz: “-Preciso falar com você”.
Me preparo para todo o tipo de conversa, com a seriedade da afirmação e ficamos sozinhas. “-Você me desculpe, mãe, mas o assunto é intimo."
Respiro fundo para mais algumas respostas, e afirmo que ela não deve se preocupar, pode confiar em mim e que está certa em falar sobre intimidade comigo (coisa que já fizemos inúmeras vezes).
“-Não, mãe, não é sobre mim que quero falar. É sobre você.”
E me permeia de perguntas cheias de lógica e dúvidas, algumas demasiadas de curiosidade simples e outras complexas, já regadas com seu parecer.

Tenho sido abordada com as mais variadas perguntas e em todas elas, seja qual a formulação, uma única questão: por que você está só?
Tenho respostas em abundância, independente de como fui questionada, e para todas, a conclusão do questionador: você está certa.
E eu, repleta pela minha firmeza e de respostas, auto-afirmo: sei que tenho razão.

Sou quem acredita em relacionamento. Quem adora o convívio, a paixão e intimidade de uma relação a dois.
Mas fui quem quis separação e quem evita a dor de qualquer convívio que traga desconforto.

Sou quem está quieta num cantinho interno, se olhando, avaliando e mirando o mundo ambíguo: cheio de pessoas que se divulgam em fotos felizes… pessoas que mostram o quanto estão plenas, alegres, bem sucedidas ou em boa forma física. Com frases de efeito e auto-afirmação. E que são tristes em seu íntimo.
Leio muitas, muitas pessoas se dizerem espiritualizadas, formularem sentenças de agradecimento aos céus e a seus comandados, e ao mesmo tempo, maldizerem pessoas que estão próximas.
Vejo fotos de homens e mulheres lindos, bem resolvidos, que procuram quem os ame interiormente, colocarem ênfase em seus músculos, bocas, ou decotes voluptuosos.
Vejo quem se diz completo e realizado, com casamento perfeito e família saudável, relacionar-se intimamente (e secretamente) por uma noite apenas, pela razão de manter a chama da relação fixa (aquela que ficou em casa) acesa.

Me perco nesse mundo inexato e nele acho a resposta para a Mel ou para todas as outras pessoas curiosas. Acrescentei em todas as respostas o fato de ter meu trabalho, ser independente, já ter minha família, e saber exatamente o que eu quero. Quem passa mais de 10 minutos ao meu lado, concorda com  essa explicação. “Quem é mergulhador, distingue imediatamente o que é raso, e se abstém da desventura do que se encontra em água pouca.”

Mas a verdade, é que seja eu com meus pensamentos pudicos, seja outro alguém com a verdade pervertida, seja quem for que não tenha encontrado parceiro, apenas não teve a sorte de o Universo traçar um encontro entre apenas duas pessoas dentre os mais de 7 bilhões que ocupam esse mundão afora. Pessoas que terão defeitos, mas que saberão que com aqueles defeitos ali, dá pra se conviver. Pessoas que gostarão das mesmas músicas, dos mesmos lugares, terão amigos parecidos. Pessoas com afinidade na esportividade ou na preguiça. Parceiro pra risada e pros desafios da vida. Aquele que pega na mão na hora do sonho, na hora do medo ou na hora do mergulho em mar profundo.

Respondi para a Mel, todas as respostas que pareciam certas na hora de responder. Não menti para ela, mas omiti um fator de suma relevância. Eu e os outros que estamos sós, podemos achar que estamos sós porque escolhemos assim neste momento, mas a verdade é que apenas não nos deparamos com quem venha fazer toda resposta anterior deixar de ter sentido. E então, deixaremos de ter razão sobre tudo o que dissemos antes. E mergulharemos.
E intimamente, nem que seja bem lá no fundo (do nosso abissal privado), estamos doidos de vontade de perder a razão.


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