quarta-feira, 27 de julho de 2016

Em tanto (amor)

Tanta distância…
Em tanta metragem contada em minuto
de tanto ano que cabe em milímetro 
de tanta saudade medida em suspiro.

E tanta lembrança guardada em abrigo
de tanto amor crescido oculto
de tanta ausência fingida escondido.

E tanto sabor em muito colorido
em tanto canto de secreto lascivo
de tanto segredo em nada mentido.  

É um tanto castigo, um tanto perigo
em tanta flor, em tanto carinho
um tanto poema, um tanto soneto
de amor teimoso que ascende antigo.


domingo, 17 de julho de 2016

A sua maioridade

Querido filho,

Apesar de tanta euforia teórica que uma data como hoje faz em nossas vidas, você verá que, a partir de hoje, será exatamente como foi nos dias anteriores, com uma única diferença: agora, você é quem assina.
A partir de hoje, você está livre para voar, e ganhar seus próprios ares, sem que alguém precise autorizar. Hoje é sua alforria.
Mas também, hoje é o divisor de águas que uma sociedade impôs para que seus direitos sejam exigidos, seus deveres sejam cobrados, seus delitos sejam menos tolerados, suas responsabilidades sejam nada parciais.
Eu não sei te parabenizo por completar essa maioridade, ou se já inicio minhas próprias condolências, mesquinharia de quem sente dó de si mesmo. Porque, como já dito, a partir de hoje, se você quiser ir, você pode, e eu, não poderei te segurar.

Eu não sinto dor nesse sentimento esquisito que desconhecia até há pouco, mas sinto um misto de ansiedade e insegurança, aquela sensação que antecede uma viagem. 
Porém essa viagem não é minha, não mais. Agora, ela é toda sua. Com direito a sua chancela, sua rubrica. Agora, você é o autor de toda linha. É o editor, o corretor, e quem publica. É tudo seu.
A partir de hoje, você está livre da chatice das minha implicâncias, das minhas perguntas, das minhas discordâncias (em teoria). Se você quiser, simplesmente, ignorá-las, você pode.
A partir de hoje, você pode ir e vir, sem pedir, sem suplicar, sem detalhar, porque, diz um papel, você já é dono do seu nariz.
A partir de hoje, você pode ganhar a estrada, deve ter seu trabalho, pode fazer a sua vida, sem a minha autorização.

A partir de hoje, meu filho, você pode tudo, como na grande verdade, você sempre pode, mas se ainda tenho direito de te pedir, nessa mania boba que nós mães temos em querer proteger, eu te peço:
- Seu corpo é seu, mas ele é único. Não deixe meia hora de qualquer coisa ser mais importante do que as outras tantas horas que você tem para viver nele.
- Não pare nunca de querer aprender, ou nunca pense que já sabe o bastante. Uma atrofia cerebral voluntária é deficiência que te impede de conquistar. Assim como o radicalismo.
- Não seja mais ou menos. Analise seus riscos, mas jogue todas as cartas que você puder naquilo que você acreditar. Você pode qualquer coisa que quiser, desde que não desista.
- Ser conhecido é bom, dependendo de como você ganhou fama. Cuide para que a memória das pessoas a seu respeito seja equivalente ao seu caráter.
- Mude de opinião quantas vezes você precisar, até ter flexibilidade suficiente para não se importar com aquilo que não te diz respeito.
- Receba a todos como você gostaria de ser recebido.
- Respeite as mulheres que você se relacionar como você entende que um cara deva respeitar a sua irmã.
E o mais importante: dê quantas voltas pelo mundo que você precisar dar ou puder dar, saiba que aqui você sempre terá colo, sempre terá ouvidos e sempre terá um abraço quente.

A partir de hoje, meu amor, eu sou burocraticamente obrigada a soltar sua mão. Mas isso é só na teoria. Porque, na prática, desejo estar sempre de mãos dadas com você, como quando você aprendeu a andar.

A partir de hoje, você pode ir embora (eu não te impediria), mas desejo, meu filho, que se acaso você for, eu tenha sido competente suficiente nesses últimos 18 anos, para você ter motivos para voltar.


*Homenagem à Leonardo Lazari.

segunda-feira, 11 de julho de 2016

No dia que te matei






O dia que te matei, eu chorei.
Mas não foi daqueles choros quentes, 
que deformam, que soluçam.
Esse choro eu chorei nos dias todos 
em que me preparei 
para você morrer.

No dia que te matei,
escorreu lágrima oca
de alma que jaze vazia
cheia de angústia.
Não foi choro contido
como tantos os outros sentidos.

No dia que te matei
morreu quem flutuava
em balões coloridos
que levavam para o céu infinito.
E agora só arrasta o látex puído
como correntes em punição.

No dia que eu te matei,
não matei por querer,
mas porque tantas vezes
você pediu para morrer.
Não foi doloso, foi culposo
de quem só

teve culpa por querer.

O dia que te matei,
você não morreu.
Morri só eu.
E passei a ser,
exatamente,
como todos os outros

que tem seus pés no chão.