sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Sinônimo de aviador.

Eles são essenciais.
Gente que se qualifica desde o momento do sonho, até onde o sonho se concretiza a mais de 40 mil pés.
São pessoas que são testadas, desde a primeira aula, desde o primeiro curso. 
São estudiosos e enfrentam a pressão do conhecimento. Precisam atualizar-se a cada instante, porque a informação muda, e muda o tempo todo, como o próprio tempo qual eles são especialistas em enfrentar (ou desviar).
Passam por pressão psicológica. Enfrentam simuladores de situações que ninguém deseja passar: e estão sempre aptos.
São homens e mulheres habilidosos e concentrados. 
São atenciosos, astuciosos. São atentos, perspicazes, sagazes, astutos. Porém, modestos.
São pessoas que retém habilidades que nem todos os humanos conseguem atingir. E dividem toda essa habilidade. Aprenderam que precisam aprender sempre e não podem subjugar toda nova informação.
Muito provavelmente porque deixaram de ser humanos normais. 

São homens e mulheres que voam. Melhor: são condutores das asas para que os normais possam se deslocar. Eles tem a responsabilidade de fazer o mundo girar, basicamente. E fazem com que o deslocamento de pessoas e produtos, seja concluído com sucesso e com muita segurança. 

Eles carregam os sonhos nessas asas metálicas.
Os sonhos de tantas pessoas que viajam em busca de outros mundos, que almejam outros lugares,  enquanto eles mesmos, a cada quilômetro ficam mais distantes do que lhes é mais importante: de seus ninhos.
Eles abrem mão de seus lares, famílias e amigos e carregam consigo outras tantas famílias e sonhos para seus destinos ou lares.

Suas asas vão além daquelas metálicas que um avião tem.

Pilotar não é nada fácil, mas alguns o fazem por trabalho.
Voar, com alma aberta, coração no manche e amor à profissão, isso somente o dono de um grande coração pode fazer. Esse, se chama aviador.

O sinônimo de aviador não é "piloto de avião".
Sinônimo de aviador é "desbravador de sonhos". 

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

O sexo do bebê (relato de uma comissária)

Aconteceu durante o embarque, em um voo que saiu da Miami para São Paulo.
Entre 350 “bom dia” e “seja bem vindo”, ele, especialmente, não chamou minha atenção.
Mas, em algum momento, uma colega interfona para mim e diz: “Mari, não estranhe. Tem um passageiro indo aí para a frente, ele está nervoso porque perdeu a conexão  wi-fi, a esposa está grávida e ele precisa saber o sexo do bebê.”
Bendita foi a informação da colega porque, quando vi aquele homem desbravando o fluxo contrário, com tensão nítida no semblante, me tranquilizei sem pensar que era uma possível ameaça. Sem a informação anterior e com os gestos nervosos daquele homem, eu arrepiaria a coluna imaginando um problema sério comportamental, quando não, uma interferência ilícita.
Ele chegou à minha frente (eu saudava a todos na porta de entrada) e começou a gaguejar o que precisava fazer. O tranquilizei dizendo que já sabia, “fique calmo”, eu disse, “só não posso permitir que desembarque, mas aqui o senhor conseguirá conexão.”
Aquele homem alto, acima de 1,90, suava frio à minha frente. Mexia no telefone, balbuciava palavras desencontradas, maldizia a tal conexão ruim, e sentia pânico em cada segundo que esperou. 
As pessoas que passavam, olhavam feio, sem entender tal comportamento e eu tive a liberdade de orientar uma outra colega que fez careta para o que via: “Não julgue, você não sabe o que está acontecendo.”
Este homem, em algum momento, encontrou uma rede paga e precisava de seu cartão de crédito. Derrubou quase tudo que tinha na mochila, de forma desastrada, em busca da carteira e consequentemente, do cartão. Ele digitou alguns números e finalmente anunciou: “Consegui!”
Sem tirar os olhos do telefone, escreveu rápido, enquanto balançava as pernas ansiosas, e continuava falando frases soltas, daquelas que a agonia ou ansiedade proliferam.
Até que, soltou um “Meus Deus!”, pôs a mão direita cobrindo a boca, e soltou seu corpo para trás, em um anteparo, e começou a chorar copiosamente. 
Aquele homem grande, escorregava as costas na parede e perdia as forças das pernas, em um choro de emoção que poucas vezes presenciei. 
Perguntei: “O que é?” E ele, deixando seu corpo cair: “Um menino!” e chorou alto.
Em um gesto impensado, eu o abracei antes que se sentasse de vez, e o ergui ainda em abraço. Ele retribuiu o abraço com força e ficou ali comigo, não sei dizer quanto tempo, mas molhou meu ombro e apoiava-se em mim, enquanto soluço dominava seu corpo.
Nesse abraço, eu proferi aquelas palavras de desejo de saúde e afeto no lar.
Ele me soltou e decidiu usar o recurso de ligação que o aplicativo permitia. Em voz e mãos trêmulas, olhou pra mim e disse: “Sabe o que é? É que eu já tenho 3, e são três meninAs!” e permitiu mais lágrimas escorrerem, enquanto em ligação completada com a esposa, agradecia à ela efusivamente e dizia o quanto a amava e estava feliz.
Eu chorei junto. Na verdade minha emoção começou quando aquele homem quase desmontou-se ali, mas chorei durante o abraço e durante aquelas palavras lindas de amor.
A mesma colega que olhou estranho em algum momento, encheu também os olhos, quando percebeu quanta emoção acontecia, mesmo sem saber o quê. A outra funcionária que ocupava a rampa de embarque, também. Os poucos clientes que embarcaram nesse momento (eram momentos finais de embarque), sorriam ao passar porque viam quanto sentimento eclodia ali.
Enquanto recompus a profissional que eu precisava ser, ofereci uma taça de champagne para o novo papai, que aos poucos foi deixando a excitação diminuir, em brinde à excelente notícia que havia recebido.
Partimos em um voo tranquilo. E esse homem, manteve o sorriso no semblante durante as oito horas seguintes. Passei por ele várias vezes, brinquei, conversei. E vi que, até mesmo de olhos fechados em suposto cochilo, o novo papai sorria, realizado, estampando sua felicidade.
Ao final do voo, o Sr Ricardo (descobri seu nome somente depois dos ânimos estarem brandos), desembarcou entre tantos outros clientes, e eu, estendi a mão para agradecer e o parabenizar, mais uma vez. Ele me puxou e me deu um abraço (inesperado). Chegou a dizer que eu participei de um momento muito importante e agradeceu toda a atenção e emoção. Saiu sorrindo como nas horas que havia passado.

Confesso que sou pessoa que se emociona sempre, mas esse episódio, foi muito especial.
Serviu para me lembrar o quanto as pessoas precisam de suporte, atenção e empatia, principalmente.
Lembrou-me de quantas histórias eu participo, mesmo que só de passagem (sem analogia barata), em tantas idas e vindas pelo mundo afora… Quanta emoção essa profissão carrega, nas despedidas, nas chegadas. Na distância e na proximidade que uma viagem pode gerar. 
Lembrou-me que, lá dentro, mesmo em aeronave cheia, esses assentos são todos ocupados por seres humanos, que têm suas dificuldades, sonhos, expectativas, famílias, histórias: cada um tem seu anjo e seu monstro pessoal.
Serviu para recarregar a energia em acreditar no amor, na família e na continuidade de uma raça que tem entrado em extinção (o ser humano com sentimento e valor).
Essa história serve para entender que, em algum momento, mesmo naquele que precisamos carregar o profissional que somos, precisamos estar com o peito aberto, alma límpida, preconceito zerado, e precisamos olhar ao outro e às suas necessidades com carinho, porque o automatismo nos impede disso.
Serviu para perceber o quanto é linda a lágrima de emoção, e quanta emoção existe em nossas vidas. 

O Sr Ricardo será mais uma vez papai. Dessa vez, de um menino. 

E esse menino me fez amar ainda mais a profissão que abracei.