quarta-feira, 29 de abril de 2015

Reminiscências


Quem disse que tudo passa?
Algumas coisas passam, algumas pessoas passam. Mas tudo que passa por nós modifica ou fica em algum lugar.
Poucas ficam no passado mesmo, passaram e só.
Algumas, atropelam ou acidentam um sentimento, e permanecem dentro de nós, que ficamos hospitalizados por um tempo, até termos apenas cicatriz.  E quem tem uma boa cicatriz, sabe que esta é lembrança oculta de um machucado fundo, de importância… de peso.

Nem tudo passa com o tempo. O tempo nem sempre afaga ou apaga. 
Talvez minimize, deixe distante. 
Mas nem tudo que palpita latente consegue o tempo fazer esvair.
Espertos que somos (?), nos boicotamos. 
Primeiro, somos fortes, passamos por cima, deixamos acontecer.
Depois, aquela ferida, vira casca grossa. Ela coça, irrita. 
Enquanto cicatriza, temos algum melindre, ficamos astuciosos. Temos tato, ficamos cheios de dedos para que nada torne a ferir.
Os dias passam, as semanas passam, e as marcas começam a virar história: que são contadas com histeria ou romance, mas enquanto relembradas, fazem uma parte no meio do peito descompassar, o oxigênio diminuir, a cabeça tontear.
O danado do tempo, nem sempre corre pra ajudar. E viramos reféns de todo dia, de cada passagem que se faz necessária para aquela cesura permanecer fechada.

O tempo, passa. Mas não apaga memória.
O tempo deixa lembrança, reminiscência.
O tempo passa, mas não afaga o que fez cicatriz na alma.

Ele só é sutil no que for desimportante, no externo, no superficial. No que é vão.
O tempo cura o que feriu o orgulho. Esse, vira um meio sorriso, um dar de ombros e um pensamento grato que diz “Ufa! Ainda bem que passou”.

Já o que feriu a alma, não interessa quanto tempo, sempre vira uma lágrima que rola grossa, desobediente. Cai do canto do olho e molha parte do travesseiro, que por tantas vezes já molhou e secou.


segunda-feira, 27 de abril de 2015

Só da Mel



Ela está doentezinha. Está com aquela gripe que todo mundo pegou essa semana, ou pegará na semana que vem. 
Cheguei em casa e vi seus olhos murchos, testa quente, mas mesmo assim soltou um sorriso daqueles tristes de quem está febril, e em voz com rouquidão, me disse: “Caramba, mãe, você está com uma cara de acabada!”

Essa é a Mel. Mesmo mal, tira uma onda, faz uma graça ou acha uma graça pra qualquer coisa. 
Não combina com ela essa tristeza chata da gripe que pesa os ombros e faz a gente se arrastar. Só por esse estado infeliz, mas mesmo assim com alguma graça própria, esse texto é só dela e de suas jóias recentes:

Eu: Mel, você me pediu para comprar kiwi, faça o favor de comer o kiwi que eu comprei. Ajude a fruta a cumprir a sua sina, que é ser comida.
Mel: Para com isso, mãe. Você não sabe se a sina dela era morrer na fruteira.


Ela andando rebolando, do quarto pra cozinha, da cozinha pro quarto.
Eu (com voz de amiga falsa): Voce está desfilando, querida?
Mel (com a mesma falsidade na voz): Não, querida, estou andando elegantemente.


Compramos sanduíches para viagem. Cada embalagem marcava o nome do sanduíche. Eu pedi um que não tivesse carne vermelha, porque não como.
No trajeto para casa a Julia percebe: “Mae, o seu sanduíche está marcado como vegetaliano!!!
Eu: Com L? Vegetaliano???
Mel: Lespeito, gente! O sanduíche é de flango!


Mel e sua vontade que eu comece a namorar. Começa o questionário a cada saída minha.
Mel: E aí, mãe, conheceu alguém?
Eu: Conheci sim.
Mel: Quantos anos ele tem? Ele é legal?
Eu: Acho que 36. É sim, é bem legal. Mas tem um defeito grande.
Mel: Qual?
Eu: É Palmeirense.
Mel: Vixi. Então mata ele.


Na mesa, durante o almoço… Ela com o novo corte de cabelo. Ficou linda! Uma princesa! E ela sabe, ela mesma gostou.
Eu (sempre espezinhando): Coitadinha de você. Você é feinha. Deve ser ruim ser assim. Como você se sente sendo tão feinha?
Mel: Como você.


E o último texto narrava uma situação como essa aí de cima, com brincadeira feita, onde eu provoco só para ouvir a pérola de alguém. Um rapaz ficou indignado comigo. Disse que eu irei traumatizar meus filhos. “Criança lembra, guarda”, disse ele. “Você fez sem querer, é claro, mas não faça mais. eles lembrarão”.
Eu (durante o jantar com as crianças): Gente, vocês acreditam? O cara brigou comigo! Falou pra eu não fazer mais! (E contei as exatas palavras do rapaz).
Mel: Ai, mãe, coitado. Deixe ele chegar perto, que ele vai ver. Minha mão vai bater no rosto dele. Sem querer, claro!


(continua…)


terça-feira, 14 de abril de 2015

Fuja



Fuja!
Fuja de quem não te procura, 
de quem não se importa
de quem não te faça rir.
Fuja daquilo que não deixe seu sono tranquilo ou que não te encha de sonhos.
Fuja de qualquer coisa que não faça seu coração e alma vibrarem.
Fuja do que não te enche de suspiros profundos e do que adormece sua criança.
Fuja do que fica pesado, ou te diminua. 
Fuja de quem não te faça elogios, não te engrandeça ou não te aqueça.

A vida passa rápido demais para desperdiçar a pessoa que você é. 
Fuja de quem não te serve e corra para dentro de si.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Pérolas



As pérolas literárias em minha casa são em número volumoso.
Minha péssima memória não permite que as descreva integralmente. 
Pra minimizar o efeito de HD tão ultrapassado, passarei a descrevê-las em textos.
Pérolas quais, eu mesma produzi, sem precisar de direitos autorais. Adoro dar uma provocadinha em meus filhos, e em várias passagens faço brincadeiras que, garanto, eles sabem que são brincadeiras. É como colocar um grão de areia na concha… 
E me respondem à altura, claro. E eu choro de rir.


Da Mel:
Eu (secando o cabelo e espezinhando): Mel, meu cabelo é liso, olha (e mexi nos cabelos)
Ela: E daí?
Eu: E daí que o meu é liso. O seu, não.
Ela (dando de ombros): Bom, pelo menos o meu é loiro natural.

Da Julia:
Eu (na mesa, durante o jantar, e ela linda de viver): Como você é feinha, não? Coitadinha. Tão feia.
Julia (olhando para o prato): Isso se chama genética.

Do Léo:
Leo (deitado ao meu lado): Como você é quente , mãe.
Eu: As mulheres, geralmente,  têm dois graus de temperatura a mais que os homens.
Leo (se aconchegando): Você não tem dois graus. Você tem dois sóis a mais.

Da Mel:
Candidato a vaga de namorado no face time: A Mel está do seu lado? Deixe eu falar com ela.
Mel: Oi (meio envergonhada)
Candidato: Nossa! Como você é bonita! Vou esperar mais uns anos e namorar com você.
Mel (com o sorriso mais sarcástico do mundo): Perdeu, mãe!




(continua…)

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Eu voltaria


Se eu pudesse escolher voltar no tempo, não sei qual dia escolheria.

Talvez escolhesse o dia que adormeci deitada em seu peito, com o cheiro de sua pele aquecendo minhas narinas.
Ou o dia que andei por um jardim japonês, com você ao meu lado, me perguntando sobre as flores que via.
Talvez para aquele dia que deitamos no banco da praça e passamos uma tarde inteira falando sobre a vida.
Ou mesmo naquela viagem pelos vinhedos e sonhos do que um dia a gente teria.

Pode ser que voltasse para um único dia onde meu telefone tocaria
e nele ouvisse sua voz embargada de emoção, onde você diria,
“Meu amor, estou com saudades” e uma lágrima escorreria
de minha alma esvaindo toda aquela agonia.


Eu sei que não posso mudar o tempo.

Mas, se eu pudesse voltar, eu voltaria.

domingo, 5 de abril de 2015

Alma não digital

As pessoas ainda são feitas de carne e osso? 
Ainda temos coração para pulsar, alma para sentir? Ou tudo já está arquivado em memória digital, em algum grande computador governamental?
Pessoas ainda se apaixonam? Acreditam em amor? 
Pessoas se relacionam genuinamente? Ou tudo não passa de um uma aplicativo qualquer?
Pessoas ainda existem? Ou são todos robôs, programados para uma noite, um orgasmo, um interesse e só?

Pessoas passam na vida uma das outras. Entram, desordenam, saem e sequer olham para trás para visualizar a bagunça que fizeram.
Tratam como se fossem negociantes, políticos, mercadores, vendedores, corretores e vão deixando de lado a parte mais importante da história de conviver em grupo, sociedade ou par. Atravessam uma vida, como se tivessem CNPJ e o outro ainda tem que pagar imposto retido na fonte.
Interesses sempre falam mais alto, seja pelo que se veste ou pelo que se pode comprar. Seja interesse por um contrato, por um contato. Seja por um dia de satisfação ou por uma noite de prazer. 
As pessoas se tratam como objetos e se vendem e se deixam comprar como se estivessem a postos em enorme prateleiras de mercado, com seus dotes, estudos, decotes e músculos sobressaltados, numa vaidade que não tem absolutamente nada a ver com princípios e moral. 
Aliás, princípios e moral, que se mostram apenas em frases bem construídas, seja com aspas ou sem, em rede social, em pequenos textos que são engolidos diariamente como marketing numa dessas exposições de business center que os relacionamentos tornaram-se.

Sobra gente que fala bonito, que sorri em foto. 
Sobra gente que tem interesse e falta gente interessante.

Faltam olhares de verdade, daqueles que enxergam a alma e dentro dela toda a felicidade e angústia que um ser humano é composto por.
Falta encontrar defeitos e aceitá-los sabendo que o outro também o faz.
Falta olhar para dentro, e buscar no íntimo concreto a própria verdade e descobrir com ela o que se quer do mundo e do outro, antes de sair por aí usando quem quer que seja como apoio ou muleta para  uma falta de estrutura.
Falta coragem de encontrar nessa intimidade os defeitos homéricos e entender que não existe perfeição nem mesmo naquela pessoa que se acorda todos os dias vestindo a pele.
Falta vontade de corrigir os erros e sobra muita indecência em apontar no mundo o que impede a melhora individual.
Falta olhar para o restante do que não nos veste como seres tão necessitados quanto nós e entender que dentro de cada um existe uma guerra que é vencida todos os dias ao fechar os olhos ao anoitecer (e entender que a guerra acontece todos os dias).
Falta respeitar a intimidade, dignidade, dificuldade que a história do outro carrega.
Falta aprender a perceber o quanto mudamos os caminhos, a história, o sentido e tantas outras percepções, com uma frase, uma atitude, um instante qualquer que nos envolvemos.
Falta mesmo é responsabilidade por tudo que se pode causar na vida do outro onde bate um coração com um histórico diferente do nosso.  

Falta gente de carne, osso e alma.

Ou falta um aplicativo que detecte uma pessoa que seja verdadeira.